Professor da UFPE relata estragos em laboratório após chuvas; microscópio de R$ 4 mi foi danificado
Coordenador do Laboratório de Dispositivos e Nanoestruturas (LDN), Edval JP Santos afirmou que espaço precisa de reformas há cerca de 20 anos
As fortes chuvas que atingiram a Região Metropolitana do Recife (RMR) deixaram estragos também no universo acadêmico. O Laboratório de Dispositivos e Nanoestruturas (LDN) do Centro de Tecnologia e Geociências (CTG) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) teve prejuízos que podem chegar ao valor de R$ 10 milhões, considerando toda a estrutura do prédio onde funciona o espaço, segundo informou o fundador e coordenador do LDN, Edval JP Santos, professor titular da instituição.
“Já aqui na recepção dá para ver o tamanho do estrago, porque a água inunda em cima [no primeiro andar] e isso vira uma cachoeira. (...) Sem contar o que dá de fungo, de insetos”, contou.
O LDN foi fundado em 1996, após Santos, recém-doutor em Engenharia Elétrica pela Cornell University, nos Estados Unidos, retornar ao Brasil.
“Voltei com essa ideia de construir esse tipo de laboratório aqui, que não tinha. No Brasil, é muito escassa essa área e aí a gente foi montado e ao longo desses mais de 25 anos a gente executou uma grande quantidade de projetos de pesquisa. Há projetos com apoio da Facepe, da Finep, do CNPq, com a Capes, com empresas, vários projetos com a Petrobras. E daqui do laboratório saíram diversos pedidos de patente, inclusive a primeira patente da universidade foi uma invenção daqui: um sistema eletrônico para verificar adulteração de combustível porque, na época, havia essa preocupação”, lembrou.
Ele recebeu a reportagem da Folha de Pernambuco na sede do LDN, na Cidade Universitária, na última semana, mostrando as perdas estruturais do que se pode chamar de trabalhos de uma vida. Entre os maiores prejuízos causados pelas chuvas recentes, está a inutilização de um microscópio eletrônico, orçado, de acordo com o professor, em aproximadamente R$ 4 milhões.
“Dos equipamentos do laboratório, o microscópio é o mais caro. Mas cada acessório também é caríssimo”, comentou, destacando acessórios adquiridos por mais de R$ 400 mil. “Hoje, com a inflação, deve estar em torno de R$ 800 mil”, analisou.
“Eu sou muito cuidadoso, muito exigente com o acesso [à sala onde fica o equipamento], com a roupa que usa, tem que usar luva. Esse microscópio já tem quase 20 anos, ele parece novo porque o acesso é restrito”, completou.
Conforme Santos, para o conserto de uma máquina como essa, também seria estimado um orçamento milionário. “Até nisso aí é outro problema do Brasil. É muito mais fácil eu comprar um novo do que fazer manutenção”, disse.
A perda do equipamento, adquirido por fontes de investimento a pesquisas, afetou pesquisadores de diferentes áreas, como engenharias, geologia, odontologia e arqueologia, não só da UFPE, mas também de outras instituições. Como explica o coordenador do LDN, o microscópio era, ou já foi utilizado, por exemplo, para estudos sobre fósseis e microfósseis, minerais, identificação da época de objetos históricos, raio X e pele artificial.
“Um dos nossos maiores clientes aqui é o pessoal de geologia. E isso ajuda até na busca de petróleo, por exemplo, porque a presença de microfósseis já é um indicativo, é uma das coisas que são usadas. Tem o pessoal de engenharia civil, que usa para ver tipos de concreto, inovação, novos materiais, novos concretos. Tem o pessoal de engenharia de minas, ou mesmo de geologia, que vai identificar a presença de certos minerais, de minérios. Tem um pessoal que estava olhando no Sertão de Pernambuco se há presença de ouro, por exemplo, em alguns locais. Esse microscópio permite analisar análise química”, detalhou.
“Agora, o espaço em si [o laboratório] é um espaço de manufatura eletrônica, a gente já fabricou diversos tipos de sensores, para diversos projetos”, acrescentou.
Além do microscópio e acessórios, também foram perdidos computadores, servidor de internet, televisão e mesa de projetos, entre outros itens e equipamentos.
De acordo com JP Santos, os temporais recentes foram os mais trágicos para o laboratório, que já vinha sofrendo com chuvas anteriores. O maior problema, afirma, está no telhado do prédio, que acumula água e não contém o volume, resultando, durante as enchentes dos últimos meses, no alagamento do espaço.
“Alaga tudo aqui. Mesmo o piso sendo suspenso, em cima do piso suspenso molha, embaixo molha. Quando chove mesmo, cai muita água e escorre. (...) Eu já andei limpando, o pessoal da limpeza [da UFPE] às vezes também limpa, e atualmente quem limpa a calha sou eu, que a universidade cancelou a limpeza da calha, porque senão estava pior ainda”, disse.
Segundo o professor, a responsabilidade pela manutenção do telhado é da UFPE, ao passo que os investimentos para pesquisas e equipamentos são prospectados pelos próprios pesquisadores.
“Ao longo dos anos, a gente tem tido problemas com goteiras, com telhado, a gente sempre avisa e alerta os diversos reitores que passaram pela reitoria, são mais de 20 anos falando disso, só que essa última chuva foi o tiro de misericórdia, vamos dizer assim”, comentou.
Ainda conforme Santos, a universidade chegou a desenvolver projetos para a reforma do espaço, mas nenhum chegou a ser executado. “Quando eu comecei o laboratório, só tinha o andar de baixo. Há 22 anos atrás, mais ou menos, foi feito o andar de cima. Como logo em seguida começou a ter problemas com o telhado e aí eu contactei a reitoria, todo mundo que poderia ser, então o pessoal chegou a fazer alguns projetos, mas nenhum foi executado. Teve projetos há mais de 10 anos”, afirmou.
Procurada pela Folha de Pernambuco, a UFPE afirmou, em nota, que mantém um rigoroso cronograma de vistorias dos prédios de seus três campi, para a realização de manutenções rotineiras, mantido, inclusive, durante a pandemia.
Segundo a universidade, as fortes chuvas do mês de maio, no entanto, tiveram um forte impacto na Região Metropolitana do Recife (RMR), incluindo as edificações que compõem o Campus Joaquim Amazonas [Campus Recife] da UFPE.
A nota prossegue com a universidade informando que, por meio de mapeamento detalhado, a Superintendência de Infraestrutura (Sinfra) da instituição detectou que as águas causaram danos em mais de 50 edificações de médio e grande porte, com necessidade imediata de investimentos em recuperação predial.
A UFPE afirmou, ainda, que o relatório técnico resultante foi submetido ao Ministério da Educação (MEC) para obtenção de recurso específico, dada a urgência da ação.