Caso Marielle: Ministério Público Federal apura excesso de munições em lotes da PF
'Temos que ter controle dessas balas, para saber quem as desvia das polícias', diz procurador, referindo-se ao fato de até hoje não ter sido descoberto quem subtraiu projéteis que mataram vereadora
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito civil público para apurar se há alguma irregularidade nos procedimentos de distribuição de lotes de munições destinadas aos órgãos de segurança.
O assunto veio à tona depois dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, quando a Polícia Civil tentou rastrear os projéteis usados no crime.
Durante as investigações, descobriu-se que a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) produziu cerca de 1, 8 milhão de balas calibre 9 mm do lote UZZ 18, sendo 200 mil só para a Polícia Federal do Rio. As demais foram para as superintendências da PF em outros estados.
Segundo o procurador da República Eduardo Benones, coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF, que o padrão de munições para cada lote é de 10 mil cartuchos, estabelecido pelo Exército — responsável pelo controle de munição no país —, de acordo com uma portaria publicada em 2004, vigente até os dias atuais.
Por conta disso, o MPF já está convocando a CBC e Exército para darem explicações de como são feitos o controle e o rastreamento desses cartuchos.
— Temos que ter controle dessas balas, para saber quem as desvia das polícias. Cada cartucho desviado pode implicar na morte de alguém — disse Benones. — Quero que as próprias entidades como a CBC e o Exército expliquem como se dá esse controle.Tivemos que arquivar o inquérito do desvio de munição da UZZ 18, do mesmo lote usado para o assassinato da Marielle e do Anderson, porque ficou impossível rastrear de um universo de 1,8 milhão de balas da PF, qual o setor onde houve o desvio. Apesar do esforço do delegado federal, não conseguimos chegar ao autor do extravio, mas isso nos indicou a existência de problemas graves no mecanismo de controle. Devemos essa resposta à sociedade — afirmou o procurador, ressaltando a importância da instauração do inquérito civil para a cobrança de responsabilidades e melhorar o sistema.
Da remessa da UZZ 18, de 2006, saíram os projéteis que mataram Marielle e Anderson, além de outras vítimas no Rio, em áreas de milícia e do tráfico. Também há registros de crimes ocorridos em outros estados onde munições do mesmo lote foram usadas. Para o procurador da República, o número absurdo de balas produzidas num único lote proporcionou essa falta de controle.
— Em geral, as forças de segurança sempre pedem acima de 10 mil cartuchos. Então, nada mais coerente que, seguindo a diretriz, haja uma inscrição diferente do lote a cada 10 mil. Outro fato nos chama a atenção: Por que só as forças de segurança têm o número do lote marcado em seus estojos? Tem que marcar tudo quanto é bala, de todos que venham adquirir, inclusive dos colecionadores, atiradores e caçadores (Cacs). Sem distinção! Se a gente quer lidar com armas e munições,é preciso controlar tudo — opinou Benones.
Para o procurador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial, "muitas das munições fabricadas pela indústria e de venda restrita ao Poder Público estariam em poder dos criminosos por problemas estruturais de Administração Pública, ocorridos posteriormente à entrega definitiva das munições pela CBC".