Presidente do Conselho de Medicina do Rio é indiciado pela polícia por assédio sexual
Técnica de enfermagem registrou ocorrência e ingressou também com processo trabalhista
O atual presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), o cirurgião ortopédico Clovis Bersot Munhoz, de 72 anos, é mais um médico a ser acusado de assédio sexual no exercício da profissão. Após o indiciamento, ele entregou o cargo no Cremerj.
Uma técnica de enfermagem de 26 anos acusa Munhoz de fazer comentários de cunho sexual no centro cirúrgico e alega que a falta de providências por parte do hospital a levou a pedir demissão. Moradora de Caxias, a jovem registrou a ocorrência na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) do município.
A delegada Fernanda Fernandes optou por transferir o caso para a 9ª DP (Catete), próximo ao local onde o fato teria ocorrido e por não se tratar de violência doméstica. Um inquérito policial está em curso já com indiciamento do médico pelo crime de assédio sexual. Na Justiça do Trabalho, também tramita processo movido pela suposta vítima. "Você é muito quente" foram algumas das palavras do médico dirigidas à auxiliar, segundo a denúncia.
Titular da 9ª DP, Rafael Barcia informou que dará prioridade ao inquérito, que espera concluir em até um mês, após algumas diligências finais.
— O inquérito chegou a ser relatado pelo delegado Sérgio Freire, com indiciamento do médico pelo crime de assédio sexual, no ano passado. Só que o Ministério Público nos devolveu o inquérito, pedindo algumas diligências, que vamos cumprir o mais rapidamente possível. Portanto, ele já foi indiciado, mas não denunciado — explica o delegado, que assumiu a 9ª em maio último. — Tem uma testemunha que confirma a versão da vítima. Não ouviu todo, mas parte do diálogo entre a vítima e o médico. A testemunha disse ainda que o cirurgião tem essa fama de desrespeitar mulheres dentro do hospital.
O delegado informou que, no ano passado, Munhoz foi intimado para depor duas vezes, mas não compareceu à delegacia. Um dos pedidos do Ministério Público é que seja feita uma nova tentativa de ouvir o cirurgião. Outras diligências, solicitadas pelo MP, são sigilosas.
Ex-presidente do Cremerj e atual diretor de comunicação do órgão, Sylvio Provenzano explica que qualquer denúncia contra integrantes do conselho, que eventualmente cheguem ao órgão, não podem ser analisadas no Rio de Janeiro:
— A regra é remeter o caso para o Conselho Federal de Medicina, que indicaria o conselho de outro estado para analisar o processo.
Procurado, o médico não foi localizado, e o Cremerj se posicionou por nota. O órgão afirma que, em agosto de 2021, foi informado pelo estabelecimento Hospitais Integrados da Gávea S/A (Glória D’Or) sobre a investigação da 9ª DP, em que Munhoz era citado. “À época, foi instaurado procedimento administrativo no conselho solicitando esclarecimentos a respeito do caso, e ele prestou todas as informações, comunicando, inclusive, não ter proferido nenhuma das palavras ali mencionadas”. A entidade acrescenta que o médico informou ao conselho que, no dia do fato narrado pela técnica, "havia feito outras cirurgias, e que estavam presentes na sala outras pessoas, como médicos, enfermeiras e instrumentadoras”.
"Se você quer trair o seu marido, pode ligar para mim”
O Cremerj, presidido por Munhoz, é a entidade que vai votar pela abertura de um processo ético-profissional para apurar a conduta do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, filmado pela equipe de enfermagem enquanto abusava de uma parturiente durante procedimento no Hospital da Mulher Heloneida Studart. O processo pode culminar na cassação de Bezerra.
Conforme o processo trabalhista, ao qual O Globo teve acesso, a técnica de enfermagem foi admitida no Glória D’Or em 1º de abril de 2020. Segundo o documento, em 6 de junho de 2021, ela foi designada para auxiliar Munhoz em uma cirurgia. Ao entrar no centro cirúrgico, de acordo com o relato da profissional, o médico, após cumprimentar a equipe, se dirigiu até ela, colocou a mão em seu pescoço e disse: “Você é muito quente”. Em seguida, teria indagado se a técnica era casada, e ela teria respondido que sim.
O médico, também na versão da denunciante, prosseguiu dizendo: “Se você quer trair o seu marido, pode ligar para mim”. Depois, segundo o processo, ele segurou a técnica pelo braço e afirmou: “Você não pode sair de perto de mim. Como você é quente. Se eu beijar o seu pescoço, você vai gozar rápido”.
No processo trabalhista, é relatado que a jovem saiu da sala de cirurgia para pegar uma medicação pedida pela anestesista, aproveitando para contar o que ocorrera à enfermeira de plantão. No retorno à sala, ouviu o médico contar à equipe sobre o lado pessoal da vida sexual dele. O cirurgião teria perguntado à técnica se ela “já tinha tido múltiplos orgasmos”, mas ela não respondeu.
Ao terminar a cirurgia, de pequeno porte, a denunciante foi para a sala da enfermeira de plantão. E, conforme o processo, ouviu o acusado dizer que, se mudasse de ideia e quisesse trair o seu marido, ela teria “todos os dias pela manhã”, pois trabalha à tarde.
De acordo com o documento, a técnica contou o caso a seu marido, que fez uma pesquisa sobre o médico. Ficou sabendo que se tratava de um renomado e ortopedista, e que trabalhou no clube Vasco da Gama. “Diante da sua fama, (a denunciante) resolveu, em um primeiro momento, não o denunciar, pois ficou com muito medo de represálias, mas se negaria a entrar para realizar qualquer procedimento com o referido médico”, destaca um trecho do processo.
No dia 7 de julho de 2021, segundo a denúncia, foi agendada outra cirurgia com o médico, em que a técnica deveria auxiliá-lo. Ela teria informado à enfermeira de plantão que não participaria do procedimento. E, em seguida, procurado a enfermeira chefe do centro cirúrgico, sendo orientada a fazer um comunicado por escrito no site da Rede D’Or, o que foi feito no dia 8 de julho. No dia seguinte, ela foi à Deam de Caxias fazer o registro da ocorrência.
Tratamento psicoterápico
No processo trabalhista, é alegado que o fato gerou trauma na mulher, que iniciou um tratamento psicoterápico “para amenizar a agonia que sentia e a falta de segurança em seu próprio local de trabalho”. Ela pediu demissão em 13 de dezembro de 2021. Sua advogada, que pede para não ser identificada, cobra indenização do hospital de R$ 45.972,94, por rescisão contratual — argumenta que a demissão deve ser considerada por justa causa da unidade hospitalar — e por danos morais:
— A minha cliente não vai se manifestar, porque se tratou de um caso doloroso que deixou marcas. Todas as providências que deveríamos tomar já foram feitas.
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Na sua nota, o Cremerj “reafirma o seu repúdio por qualquer tipo de assédio e trabalha junto das autoridades para coibir essa prática criminosa”
Também por nota, a Rede D’Or diz que “desde o primeiro momento, quando tomou ciência da acusação, o hospital levou o fato ao conhecimento do Cremerj e vem colaborando com as autoridades que estão investigando a denúncia”. Acrescenta que “o hospital repudia veementemente qualquer tipo de comportamento abusivo ou antiético, e afirma que sempre colabora com as apurações em casos de denúncia”.