BRASIL

Governo federal pede para quatro estatais ampliarem dividendos para cobrir gastos da PEC Eleitoral

Secretário diz que também quer que depósitos feitos pelas estatais passem de semestrais a bimestrais

Petrobras - Tânia Rêgo/Agência Brasil

O governo federal encaminhou ofício às quatro principais estatais (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES) para tentar aumentar a sua receita com dividendos neste ano.

O objetivo é ter recursos para bancar gastos extras criados a partir da PEC Eleitoral — que abriu um espaço de R$ 41,2 bilhões no Orçamento deste ano para o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, além de benefícios para taxistas e caminhoneiros.

Os dividendos são uma parte do lucro das empresas distribuído aos seus acionistas. No caso das estatais listadas em Bolsa (Petrobras e BB) o principal acionista é a União. Caixa e BNDES têm como único acionista o governo federal.

O secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, disse que foi pedido para as empresas avaliarem duas mudanças em sua política de dividendos: aumentarem o repasse neste ano e mudar a periodicidade do pagamento (de semestral para bimestral). Em todos os casos, afirmou, a decisão caberá à empresa e será preciso avaliar a manutenção da saúde financeira da companhia.
 

Empresas como a Petrobras já tem uma política de dividendos trimestral. Outras, como o BNDES, pagam ao governo semestralmente.

Colnago afirmou que o objetivo é aumentar a receita de dividendos com o objetivo de cobrir os gastos extras criados pela PEC Eleitoral e pela desoneração dos impostos federais da gasolina (o governo zerou o PIS/Cofins e a Cide do combustível).

BB diz que não tem como atender pedido

A PEC custará R$ 41,2 bilhões. Já a redução dos impostos federais sobre a gasolina terá um custo de R$ 16,5 bilhões. É, portanto, um impacto de R$ 57,7 bilhões.

Até agora, o governo já conta com R$ 26 bilhões decorrentes da privatização da Eletrobras e R$ 18 bilhões de dividendos do BNDES. O banco de fomento pagou esse valor decorrente de lucros apurados em 2020 e 2021 — antes de receber o ofício do governo.

Segundo o secretário, o Banco do Brasil respondeu dizendo que não seria possível atender ao pedido do governo, enquanto as demais estatais ainda não se pronunciaram.

O governo previa receber neste ano R$ 35 bilhões em dividendos. Esse valor subiu para R$ 54,8 bilhões com o repasse do BNDES. Até agora, porém, não fez estimativas de quanto pode receber a mais por conta do ofício. O governo espera o fechamento dos balanços do primeiro semestre para quantificar os resultados.

As empresas estatais têm ampliado seus lucros desde o ano passado. No caso da Petrobras, porém, esse lucro é criticado pelo próprio Executivo. O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, já disse que a estatal está "gorda e obesa".

No mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em evento de aniversário do BNDES que o banco havia dado uma "rasteira" no governo e cobrou a devolução de recursos que foram repassados pelo Tesouro Nacional à instituição para viabilizar empréstimos. Essa devolução, porém, não impacta o resultado das contas públicas e não se trata de um repasse de dividendos.

O ministro também já havia dito que usaria dinheiro de dividendos e de privatizações para custear os novos benefícios sociais, criados ou ampliados em pleno ano eleitoral. Só neste ano, a União vai receber mais de R$ 30 bilhões em dividendos da Petrobras.

— Enviamos um ofício geral em que a gente pede para que eles estudem a possibilidade, respeitada a política de investimentos e respeitados os eventuais requerimentos de Basileia, o que eles podem eventualmente pagar de dividendos e se eles podem nesse exercício pagar trimestralmente e não semestralmente — explica Colnago, cintando a política de de Basiléia, uma regra definida para os bancos em que requer a manutenção de um capital mínimo, de forma a manter a solidez do sistema.

O movimento é feito após reações negativas do mercado sobre a Emenda que liberou o pagamento fora das principais regras sobre as contas públicas — como a meta fiscal (resultado de receitas menos despesas a ser perseguido pelo governo), o teto de gastos (que impede o crescimento real das despesas federais) e a necessidade de compensações orçamentárias.

— Foram criadas obrigações excepcionais, nós pagamos também com receitas excepcionais — explicou. — Temos despesas que foram criadas de forma emergencial, que somam R$ 58 bilhões. A gente está buscando receitas extraordinárias na mesma magnitude. Se tiver lucro, isso vai gerar naturalmente um pagamento de dividendos. A gente imagina que vai cumprir todas as despesas que estão previstas — afirma o secretário.

Em 2021, as empresas estatais federais pagaram R$ 101 bilhões a título de dividendos e juros sobre capital próprio relativos a anos anteriores e antecipação por conta do resultado do próprio exercício. Desse total, R$ 43 bilhões foram destinados à União, sendo que 98% desse valor foi proveniente dos grupos Petrobras (R$ 21,1 bilhões), BNDES (R$ 13,6 bilhões), BB (R$ 3,2 bilhões), Caixa (R$ 2,8 bilhões) e Eletrobras (R$ 1,3 bilhão).

Juliana Damasceno, economista sênior da Tendências Consultoria lembrou que o governo tem reduzido impostos recorrentemente. Agora, tenta usar as estatais para aumentar seu caixa:

— É inconsistente enquanto política reduzir impostos e cobrar receitas de dividendos. Só reforça que precisa ter um diagnóstico correto do desempenho da arrecadação. Estamos tratando como estrutural receita conjuntural, que vai cair por qurestões cíclicas.

István Kasznar, economista e professor Escola de Administração Pública e de Empresas da FGV, afirma ser temerária a pressão pelo aumento de dividendos:

— Há um quadro muito delicado, com muita incerteza, no mercado. Pressionar a dar resultados dessa forma é temerário para a governança das empresas. É preciso tomar cuidado para que isso seja entendido como um ato que pode corresponder como uma pressão indevida.

Déficit zero em 2022

Na entrevista, o secretário disse ainda que o governo federal caminha para encerrar 2022 com um déficit primário próximo de zero ou um superávit, no que poderia ser o primeiro saldo positivo das contas federais após oito anos.

Colnago destacou que a arrecadação federal bateu recorde em sete dos últimos 12 meses. O secretário afirmou que o mandato do presidente Jair Bolsonaro deve ser encerrado com uma despesa total no ano de 18,9% do PIB, patamar inferior aos 19,3% registrados em 2018, ano de encerramento da gestão anterior.

— Agente está caminhando para chegar no final do ano com déficit muito baixo, próximo de zero, ou com superávit. Seria o primeiro superávit fiscal após oito anos — disse Colnago. — A expectativa que está se consolidando é que nesse final de ano a gente tenha superávit ainda que pequeno do governo central — complementou.