Conselho da Petrobras, que tem maioria indicada pelo governo, vai aprovar reajuste de combustível
Até agora, a decisão sobre alteração de preços cabia exclusivamente à diretoria
A Petrobras anunciou que o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal vão "supervisionar" as decisões sobre reajustes de gasolina, diesel e outros combustíveis. Na prática, o conselho, que tem a maioria dos integrantes indicada pelo governo, vai participar das decisões sobre aumentos ou quedas nos valores dos produtos, segundo fontes do alto escalão da companhia.
Hoje, o presidente da estatal, o diretor financeiro e o diretor de Abastecimento decidem os reajustes, tomando como base parâmetros da política de preços da Petrobras, como o comportamento do dólar e do barril do petróleo no mercado internacional.
Agora, a diretoria executará a política e enviará relatórios trimestrais ao conselho com o comportamento dos preços de diesel, gasolina e gás liquefeito de petróleo.
A Petrobras diz que a mudança apenas formaliza uma prática já existente e que a política de paridade de preços com o mercado internacional está mantida. Analistas afirmam, porém, que o comunicado divulgado deixa margem a dúvidas e apontam risco de ingerência política na empresa.
Segundo a estatal, a nova diretriz "incorpora uma camada adicional de supervisão da execução das políticas de preço pelo Conselho de Administração e Conselho Fiscal".
A nova sistemática foi anunciada no momento em que o governo intensifica a pressão para que a Petrobras reduza o valor do diesel. O preço dos combustíveis é considerado fator crucial para a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
No último dia 19 de julho, a estatal anunciou queda de 4,9% da gasolina na refinaria. Não houve mudança no valor do diesel na ocasião. A avaliação dos analistas era que ainda havia incertezas quanto ao suprimento do combustível no segundo semestre.
Defasagem no diesel
Segundo dados da Abicom, associação dos importadores, o diesel cobrado nesta quarta-feira no Brasil está 4% mais caro que no exterior. A gasolina tem preço 5% maior no país.
No comunicado que divulgou ao mercado, a estatal informou que "os procedimentos relacionados à execução da política de preço, tais como periodicidade dos ajustes dos preços dos produtos, os percentuais e valores de tais ajustes, a conveniência e oportunidade em relação à decisão dos ajustes dos preços permanecem sob a competência da diretoria executiva".
E afirma que a nova diretriz "não implica mudança das atuais políticas de preço no mercado interno, alinhadas aos preços internacionais, e tampouco no Estatuto Social da companhia".
Apesar de o Conselho de Administração e Fiscal a partir de agora passarem a “supervisionar” a execução dos preços, a estatal disse que a referida aprovação “não implica mudança das atuais políticas de preço no mercado interno, alinhadas aos preços internacionais, e tampouco no Estatuto Social da Companhia”.
Eleição do conselho no radar
Outro fator no radar é que o governo está prestes a eleger novos integrantes do Conselho de Administração. A União pretende conquistar oito das 11 vagas e ampliar sua ingerência no colegiado. Dois dos nomes indicados foram recusados pelo Comitê de Elegibilidade por risco de conflito de interesses. A recusa foi vista pelo governo como insubordinação, e a decisão da União foi de insistir nas indicações.
Segundo analistas, porém, a mudança traz para o conselho uma decisão operacional. Para Marcelo de Assis, chefe de pesquisa da área de Exploração e Produção de Petróleo da consultoria Wood Mackenzie, a alteração retira poder da diretoria:
— Vejo como uma alteração que retira poder do presidente e do diretor financeiro da Petrobras. Apesar de a política de preços permanecer ainda inalterada, não vejo de maneira positiva. Principalmente levando em conta as declarações prévias do governo no sentido de interferir na Petrobras.
Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e professor do Instituto de Economia da UFRJ, vê falta de clareza no comunicado. Para ele, há dúvida se o Conselho irá apenas referendar os princípios da política ou se a cada reajuste o colegiado poderá interferir ou até ter palavra final:
— O comunicado poderia ser mais claro com relação aos princípios da política de preços, em especial no que concerne ao que eventualmente pode ser mudado.
Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Asset Corretora, avalia que a troca abre caminho para ingerência política. Ainda assim, as ações da Petrobras com voto subiram 0,65%, a R$ 34,01, acompanhando o aumento do preço do petróleo no mercado internacional.
- Numa primeira leitura o preço da ação chegou a ir para o negativo, mas reverteu com o preço do petróleo melhorando. Só vamos descobrir a intensidade da atuação do conselho acompanhando o fluxo do preço do petróleo e como a empresa irá se comportar - afirmou.
Um aspecto que mexe com a expectativa do mercado é o possível anúncio de pagamento de dividendos nesta quinta-feira, quando a empresa divulga seu balanço do segundo trimestre. A empresa está entre as companhias que o governo solicitou antecipação ou aumento do repasse de dividendos para fazer frente às despesas com a proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral.
Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, não haverá mudança drástica, mas aumenta a politização do processo de formulação de preços:
- Tivemos a criação de uma etapa adicional. Você politiza o processo, mas sem mudança drástica.
Divulgação do balanço
Bolsonaro fez reiteradas críticas aos ganhos da Petrobras com a venda de combustíveis e trocou o comando da companhia três vezes desde que assumiu o Palácio do Planalto. Agora, porém, conta com o dividendo da companhia, que é uma parcela do ganho compartilhada com os acionistas, para viabilizar a distribuição de benefícios a poucos meses da eleição.
Nesta quinta-feira, o Conselho da Petrobras volta a se reunir para tratar dos resultados da companhia, que deve divulgar lucro bilionário, e deliberar sobre o pagamento de dividendos.
Uma fonte afirmou que a empresa tem hoje fluxo de caixa para pagar dividendos superiores a R$ 50 bilhões a seus acionistas. A ideia, conforme revelou O GLOBO, é que a estatal antecipe a distribuição de dividendos para ajudar na engenharia fiscal do governo para compensar o aumento dos gastos públicos às vésperas da eleição.
O mercado financeiro espera dividendos robustos de R$ 38 bilhões. Na segunda-feira, a estatal informou que não havia uma decisão tomada sobre o tema.