Estados podem perder 'selo' de crédito por ações no STF, alerta Tesouro
Governo quer evitar efeito cascata de decisões que suspenderam pagamento de dívida
O Tesouro Nacional alertou aos estados que conseguiram suspender o pagamento de suas dívidas com a União por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que eles podem perder o “selo” de bom pagador junto ao governo federal.
Esse “selo” é importante porque garante que os estados obtenham empréstimos com garantias da União — que têm juros mais baixos — além de acesso a organismos internacionais de financiamento.
O alerta do Tesouro foi feito em ofícios, que foram dirigidos aos estados de Alagoas, Piauí e Maranhão.
Essas unidades da federação conseguiram suspender o pagamento de suas dívidas com a União no STF como forma de compensação pela redução do ICMS, principal tributo estadual, sobre combustíveis, energia, transporte coletivo e telecomunicações. A medida foi aprovada pelo Congresso Nacional, no esforço de melhorar a popularidade de Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição.
Os três estados têm nota “B” (de uma classificação de “A a “D”). Estados com notas “A” e “B” são considerados bons pagadores. Essa nota leva em consideração fatores como endividamento, poupança e liquidez.
O movimento do Tesouro também está sendo usado pelo governo para evitar um efeito cascata e que outros estados entrem com pedidos semelhantes no STF. Até agora, a Bahia também pediu a suspensão da dívida, mas ainda não houve decisão.
O estado de São Paulo também foi beneficiado com decisão do STF, mas nesse caso o próprio STF proibiu a União de “constranger o Estado de São Paulo em trâmites de operações de Crédito e Convênios e na sua classificação de rating (risco de crédito) em âmbito federal” como consequência da suspensão do pagamento da dívida.
Nos ofícios, o Tesouro solicita que os estados remeta maiores informações sobre a sua situação fiscal, já que foi relatada suposta dificuldade financeira nas ações ao STF. O ofício salienta que a nota de crédito (chamada de Capacidade de Pagamento, ou Capag) do estado poderá ser reclassificada em decorrência da declaração de dificuldades financeiras relatadas na ação.
Exatamente nos termos das decisões, o impacto calculado pelo Tesouro é de R$ 11,1 bilhões, de acordo com dados encaminhados ao GLOBO pelo órgão.
Os estados conseguiram no Supremo a suspensão do pagamento de suas dívidas junto à União, como forma de compensar a queda de arrecadação com o tributo. Nesse ponto, o impacto é de R$ 8 bilhões.
As decisões também permitiram que as unidades da federação não paguem parcelas de dívidas com bancos e outras instituições. Nesses casos, a União arca com a dívida do estado (de maneira que o país não dê um calote). Esse ponto tem um impacto de R$ 3,07 bilhões, de acordo com o Tesouro.
O governo federal prepara recursos ao Supremo para essas decisões. As ações decorrem da lei que determinou um limite de 17% ou 18% (a depender do estado) para o ICMS cobrado sobre energia elétrica, combustíveis, transporte e comunicações. Em alguns produtos, as alíquotas chegavam a 34%. Essa lei foi feita como uma tentativa do governo federal de reduzir o preço dos produtos.
Diversos estados foram ao STF contra a lei especificamente, mas não houve uma decisão nesse processo, a favor ou contra a legislação, até agora. A perda dos estados estimada em 12 meses com a lei é de R$ 73 bilhões, segundo dados do próprio governo federal.
Em nota enviada na semana passada, o Ministério da Economia afirmou que, de acordo com a lei aprovada pelo Congresso, não há que se falar em antecipação de valores que ainda não foram apurados e não há condições de saber se um determinado estado fará jus a alguma compensação, pois, para que isso ocorra, é necessário haver redução na arrecadação do ICMS em 2022 superior a 5% em relação à arrecadação do mesmo tributo em 2021.
Somente em 2023, diz a pasta, se saberá se houve redução na arrecadação em 2022 e, caso haja, qual foi o percentual dessa redução.
O primeiro contemplado foi o Maranhão, que conseguiu uma liminar do ministro Alexandre de Moraes. Ele destacou que a aprovação das leis federais que diminuíram a arrecadação de ICMS ocorreu “de forma unilateral, sem consulta aos estados”.
A outra ação beneficiou Alagoas e teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso. Diferentemente de Moraes, Barroso não está despachando no recesso de julho. Assim, quem analisou o caso foi o presidente do STF, que está trabalhando no período e analisando questões urgentes.
Ao conceder a liminar, ele disse que a “supressão indevida e não planejada de recursos” pode comprometer a prestação de serviços públicos.
Depois, foram mais duas liminares dadas por Moraes. Ao beneficiar São Paulo, ele escreveu que a restrição à tributação estadual ocasionada pelo teto do ICMS "acarreta um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação, tornado excessivamente oneroso, ao menos nesse estágio, o cumprimento das obrigações contraídas pelo Estado nos contratos de financiamento que compõem a dívida pública".
Na decisão que atendeu o Piauí, Moraes repetiu os argumentos e afirmou que é justificável o pedido dos estados "até que viabilize um mecanismo tendente ao restabelecimento do equilíbrio da base contratual".
A compensação via dívida pode não beneficiar todos os estados. Em alguns casos, o estoque é pequeno. Outros estados já não estão pagando seus débitos com o governo federal, por conta de decisões do próprio Supremo e do regime de recuperação fiscal.