Inadimplência no cartão de crédito sobe entre os mais pobres
Segundo o Banco Central, os níveis chegaram a 12,24% dessa população, o maior patamar desde outubro de 2016
A taxa de juros cobrada nos casos de atraso nas faturas de cartão de crédito estava em 364% em abril, a mais cara para pessoas físicas, segundo o Banco Central (BC). E, apesar do impacto que isso leva para as contas das famílias, a inadimplência no cartão de crédito para pessoas das classes mais baixas, que ganham até um salário mínimo, chegou a 12,24% em abril, o maior patamar desde outubro de 2016.
Mesmo os que optam por parcelar a fatura para evitar que ela fique em atraso não sentem tanto alívio: em abril, a taxa média cobrada no primeiro caso foi de 175,1% ao ano. Para efeito de comparação, a taxa média que as pessoas físicas pagaram neste mês estava em 50,3% ao ano, influenciado pelos juros mais em conta para o crédito consignado e o empréstimo pessoal.
Os dados estão defasados por conta da greve dos servidores do Banco Central, que paralisou as divulgações recorrentes, como o relatório Focus e as notas do setor externo e crédito. A greve foi encerrada no início de julho.
O cartão de crédito é o meio mais acessível para os brasileiros que quiserem parcelar uma compra de valor alto ou mesmo esticar o salário até o fim do mês. No entanto, com inflação em alta que corrói o poder de compra, a inadimplência vem subindo principalmente entre as faixas salariais mais baixas, impondo juros altíssimos para uma realidade financeira já apertada.
Já quem ganha até dois salários mínimos, a inadimplência registrada foi de 11,23%, número mais alto desde maio de 2020, início da pandemia.
Gaby Chaves, CEO da NoFront, plataforma de empoderamento financeiro, ressalta que o cartão é uma das modalidades de crédito mais acessíveis atualmente, podendo ser feito em lojas de roupas, por exemplo. Ela diz que as pessoas com rendimentos mais baixos tendem a usar o cartão como um complemento da renda e o aumento da inflação é um componente importante para entender a alta da inadimplência.
— Não são pessoas que usam cartão de crédito para ostentação, festa ou lazer. Elas utilizam cartão de crédito no supermercado, majoritariamente como uma forma de lidar inclusive com o efeito da inflação que corrói o poder de compra e afeta mais quem ganha menos — explicou.
Neste mesmo cenário, o uso do cartão de crédito vem aumentando neste ano. Em abril foram R$ 138,2 bilhões no cartão à vista, 41% a mais do que no mesmo mês de 2021. Neste sentido, o crédito rotativo (quando o pagamento total da fatura não é realizado) teve concessão de R$ 27 bilhões em abril, alta de 58,25% na comparação com abril do ano passado.
Juros em alta
As taxas de juros vêm subindo nos últimos meses acompanhando a alta na taxa básica de juros, a Selic, que foi elevada de 2% para 13,75% em pouco menos de um ano e meio.
O economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, ressalta que é muito simples conseguir um cartão de crédito, seja em financeiras, bancos ou no próprio varejo. Por outro lado, é difícil saber usar o instrumento corretamente ainda mais em um ambiente de inflação alta.
— A utilização do cartão acaba se tornando um veículo muito mais fácil para inadimplência do que normalmente já é diante desse choque de renda. Por conta da corrosão inflacionária a pessoa acaba utilizando o cartão de crédito para tentar esticar o salário — conta.
De acordo com o Indicador de Inadimplência do Consumidor da Serasa Experian de junho, o segmento de bancos e cartões representa a principal fração das contas em atraso dos consumidores, somando 27,8%.
Miguel Ribeiro, diretor executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), destaca que o cartão de crédito é um dos principais vilões do aumento de risco de crédito no país, mas é um bom instrumento se utilizado corretamente.
— O grande vilão do cartão de crédito é o fato que as pessoas compram e não se programam com o pagamento, muita vezes a pessoa compra mesmo sabendo que não vai ter condições de pagar o cartão. já pensa: pago o mínimo e vou rolando a dívida, só que o mínimo tem as taxas de juros extremamente elevadas — disse.
Responsabilidade e renegociação
Gaby Chaves, da NoFront, ressalta que a educação financeira é importante para redução da inadimplência, mas destaca que as instituições financeiras também devem ter um papel de responsabilidade social sobre o endividamento das pessoas.
A economista exemplifica, por exemplo, que há soluções que poderiam ser pensadas no campo de produtos disponibilizados.
— Nesta pandemia nenhuma instituição financeira pensou uma solução para os gastos com alimentação. Não existe nenhuma taxa de juros diferenciada para as pessoa que estão recorrendo ao crédito por conta das necessidades primárias e o sistema financeiro tem tecnologia e infraestrutura para pensar em produtos e soluções. Será que é certo uma pessoa pagar a taxa de cartão de crédito quando na verdade só está utilizando esse crédito para comprar comida?
Para Rabi, da Serasa, para quem se encontra em situação de endividamento a renegociação é a saída mais fácil.
— A renegociação é o caminho mais fácil e tentar de alguma forma, a gente sabe que é difícil, mas fazer um corte de despesas, gastos que podem ser adiados ou postergados é uma possibilidade — afirmou.