Opinião

A polarização cultua uma "guerra religiosa" contribuinte da eleição plebiscitária

O atual processo eleitoral parece consagrar uma recorrente polarização, que tem conduzido os eleitores para escolhas meramente plebiscitárias. Entre o sim e o não, o mal e o bem, Deus e o Diabo, todo envoltório do sistema eleitoral tem conspirado a favor de um perigoso e inconsistente maniqueísmo, que põe sob risco os princípios basilares da democracia. Nesse embalo, o que deveria ser prioridade e serviria até de respaldo para os reais interesses da nação, fica de fora do processo. Ou seja, o discurso útil e a boa proposta, que deveriam fazer parte de um processo eleitoral programático, deixam de ser assimilados. Perde a maioria da sociedade.

Um exemplo atual está na inclinação dos protagonistas dessa polarização, em assumirem agora uma descabida "guerra santa". Esquecem que o marco político das questões religiosas está colocado no texto constitucional, que ao afirmar o papel de um Estado laico, projetam-se o respeito e a liberdade para que os agentes sociais manifestem sua fé e religiosidade. Transformar o embate eleitoral numa aposta favorável à rivalidade religiosa, parece-me desvio de foco. Afinal, a intenção de valorizar o tema dos costumes, por esse viés religioso, não deveria ser pauta de planos de governo. No máximo, extrai-se algum indicativo que possa merecer a discussão política, embora deva ser assunto tratado pelos trâmites do Legislativo.

Assim, é lamentável que um dualismo preocupado apenas em apontar para demônios presentes no outro, tome conta de um debate que deveria ter na agenda as dramáticas questões atuais, que envolvem o fiasco das políticas públicas reservadas para o social e a economia. Por essa e outras que insisto no erro da sociedade em tolerar a polarização e com isso propiciar que o processo eleitoral assuma a condição de um desnecessário plebiscito. Que se danem os planos e programas que carecem ser entregues a essa mesma sociedade, que tem resistido muito mal à pluralidade da crise.

Diante dessa inércia anunciada, na qual não se constata qualquer mobilidade em defesa de ideias factíveis, cabe-me como cidadão indagar as razões do multipartidarismo e das eleições em dois turnos. Para que serve gastar tanto dinheiro público, quando os compromissos da sociedade com as eleições têm-se baseado em polarizações? Bastariam dois a três ou quatro partidos e um turno. Claro que exercito um papel simplista, mesmo que diante de fatos recorrentes. Mas, cabe o debate em torno de fundamentos democráticos, que não estão sendo atingidos nos seus propósitos. E com altíssimos custos.

Por mais que o foco na democracia possa exprimir as virtudes do pluralismo partidário e do embate eleitoral em dois turnos, não há como se abstrair de falhas no percusso. Pelo bem maior do estado democrático de direito cabem reflexões que ajudem a revisar a rota tomada. No caso específico, uma inércia reativa que só  corrobora o conflito entre protagonistas. Uma situação que inflama o debate pelo uso de vias distantes daquilo que seja o real interesse público. 



*Economista e colunista da 
Folha de Pernambuco



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