Tratado da ONU para proteger a biodiversidade em alto-mar volta a naufragar
Uma das questões mais delicadas é a distribuição dos possíveis benefícios obtidos com o desenvolvimento de recursos genéticos em águas internacionais
Os membros da ONU encerraram na sexta-feira (26) duas semanas de negociações sem um acordo para um tratado de proteção à biodiversidade em alto-mar, que poderia ter atendido aos crescentes desafios ambientais e econômicos.
Após 15 anos, incluindo quatro sessões formais anteriores, os negociadores ainda não chegaram a um acordo juridicamente vinculante sobre os crescentes desafios ambientais e econômicos do alto-mar, também conhecido como águas internacionais, uma área que cobre quase metade do planeta.
"Embora tenhamos feito um excelente progresso, ainda precisamos de um pouco mais de tempo para atingir a meta", declarou a presidente da conferência, Rena Lee.
Agora está nas mãos da Assembleia Geral da ONU a retomada da quinta sessão, em uma data que ainda será definida.
Muitos esperavam que esta quinta sessão, que começou em 15 de agosto na sede da ONU, fosse a última e produzisse um texto final sobre "a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional" (BBNJ).
"Embora seja decepcionante que o tratado não tenha sido finalizado nas duas últimas semanas de negociações, continuamos animados com processo que ocorreu", comentou Liz Karan, da ONG Pew Charitable Trusts, antes de pedir uma nova sessão até o final de o ano.
O Greenpeace se mostrou mais crítico, em particular a respeito dos países desenvolvidos, incluindo Estados Unidos e União Europeia, que acusou de tentativa de agir no último.
"O tempo está acabando", afirmou Laura Meller, diretora de oceanos da ONG. "Enquanto os países continuam falando, os oceanos e aqueles que dependem deles sofrem", completou.
Uma das questões mais delicadas é a distribuição dos possíveis benefícios obtidos com o desenvolvimento de recursos genéticos em águas internacionais, onde as empresas farmacêuticas, químicas e cosméticas esperam encontrar medicamentos, produtos ou tratamentos.
Essa pesquisa marítima onerosa é em grande parte prerrogativa das nações ricas, mas os países em desenvolvimento não querem ficar de fora dos lucros potenciais dos recursos marinhos que não pertencem a ninguém.
"Oportunidade perdida"
Impasses semelhantes entre Norte e Sul acontecem em outras negociações internacionais, como sobre mudanças climáticas, onde os países em desenvolvimento se sentem mais prejudicados pelo aquecimento global e tentam em vão fazer com que os países mais ricos ajudem a compensar os danos.
O alto-mar começa na fronteira das zonas econômicas exclusivas (ZEE) das nações, que de acordo com o direito internacional atingem até 200 milhas náuticas (370 quilômetros) da costa de cada país, e não estão sob jurisdição de nenhum Estado.
Quase de 60% dos oceanos do mundo se enquadram nessa categoria.
E embora os ecossistemas marinhos saudáveis sejam cruciais para o futuro da humanidade, particularmente na limitação do aquecimento global, apenas 1% das águas internacionais estão protegidas.
Um dos principais pilares de um eventual tratado é permitir a criação de áreas marinhas protegidas, que muitas nações esperam que cubram 30% dos oceanos até 2030.
"Sem estabelecer proteções nesta vasta área, não seremos capazes de cumprir nossa meta ambiciosa", declarou Maxine Burkett, do Departamento de Estado americano.
Mas as delegações ainda discordam sobre o processo de criação das áreas protegidas, bem como sobre como implementar a exigência de avaliações de impacto ambiental antes de novas atividades em alto-mar.
"Que oportunidade perdida..." tuitou Klaudija Cremers, pesquisadora do grupo de estudos IDDRI, que, como muitas outras ONGs, tem status de observador nas negociações.