RIO DE JANEIRO

Caso não saia da Alemanha, cônsul só pode ser preso se condenado no Brasil

Justiça do Rio decretou sua prisão preventiva e o envio do nome do cônsul à Interpol

Uwe Herbert Hahn, cônsul alemão - Reprodução TV Globo

Três semanas após ser preso pela morte do marido belga Walter Henri Maximillen Biot, o cônsul alemão Uwe Herbert Hahn deixou o Brasil rumo a Alemanha. Ontem, Hahn chegou ao seu país de origem depois do Tribunal de Justiça do Rio relaxar a prisão do diplomata por considerar que havia demora na denúncia do Ministério Público.

Nesta segunda-feira uma nova decisão da Justiça decretou sua prisão preventiva e o envio do nome do cônsul à Interpol. Especialistas em direito internacional ouvidos pelo Globo afirmam que estando na Alemanha, Uwe Hahn não deverá ser preso preventivamente. A medida cautelar só deve ser cumprida caso ele deixe o território alemão e seja preso em outro país.

Ao relaxar a prisão, a Justiça não determinou nenhuma medida cautelar, como a apreensão do passaporte ou a obrigação de comparecimento do cônsul em juízo.

Pouco após Hahn desembarcar em solo alemão o Ministério Público ofereceu denúncia contra ele por homicídio doloso triplamente qualificado — por motivo torpe, meio cruel e ter dificultado a defesa da vítima. Horas depois, o o juiz Gustavo Kalil, titular da 4ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, tornou o alemão réu e decretou sua prisão preventiva. Como já era público que Hahn deixara o país, o juiz oficiou a Polícia Federal para incluir o cônsul no banco internacional de procurados e foragidos da Interpol.
 

“O crime foi praticado com emprego de meio cruel: severo espancamento a que a vítima foi submetida, causando intenso e desnecessário sofrimento O delito foi cometido de forma a dificultar a defesa da vítima, que se encontrava com sua capacidade de reação reduzida pela ingestão de bebida alcoólica e de medicação para ansiedade”, diz trecho da denúncia do MP.

A Justiça também negou o pedido de sigilo da defesa do cônsul e determinou ainda a quebra de sigilo de dados dos aparelhos celulares apreendidos pela polícia durante a investigação.

“Como amplamente divulgado pela mídia nessa data, o ora Acusado saiu do país após ser solto em sede de 'habeas corpus', tendo chegado nessa manhã à Alemanha, a demonstrar, concretamente, que não pretende se submeter à aplicação da lei penal, um dos pressupostos da prisão preventiva. O Acusado já deu sinais concretos de que não pretendia colaborar com os órgãos estatais brasileiros, pois alegou que a vítima teria morrido por acidente”, diz Kalil em sua decisão.

Na ocasião da prisão, segundo as investigações da Polícia Civil, Uwe Hahn informou ao médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que o marido havia passado mal e caído no chão, no dia anterior, na cobertura que ambos dividiam. O profissional responsável pelo atendimento acreditou que o homem pudesse ter tido um mal súbito, mas não quis atestar o óbito e o corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML), no Centro da cidade, onde passou por exame de necropsia.

O laudo do legista atesta que Walter Henri Maximillen Biot morreu de hemorragia subaracnoide (extravasamento de sangue entre o cérebro e o tecido), contusão craniana e traumatismo cranioencefálico, provocados por ação contundente. O documento aponta que o cadáver apresenta mais de 30 lesões, como equimoses, escoriações e outros tipos de ferimentos, espalhados por regiões como braços, pernas, tronco e cabeça. No apartamento do casal, policiais da 14ª DP encontraram móveis em desalinho e manchas de sangue no chão e em uma poltrona.

Caso seja condenado em todas as instâncias na Justiça brasileira, Hahn pode ter que cumprir a pena em um presídio alemão. Mas, para isso acontecer é necessário que o governo brasileiro peça oficialmente à Alemanha — que analisará posteriormente.

— Ele não é a gente diplomático e sim consular. O consular representa interesses privados da população do seu país e não possui a imunidade diplomática. O Brasil não tem tratado com a Alemanha, mas a lei permite que o governo brasileiro peça o cumprimento da pena com a promessa de reciprocidade — Sergio Chastinet, professor de direito da PUC - Rio.

O processo em que ele é réu, no entanto, seguirá o curso normal no Tribunal de Justiça, que deverá tentar citar Hahn na Alemanha. Para isso, existe a Carta Rogatória — instrumento jurídico para a comunicação entre países. As principais peças processuais da ação, os artigos da legislação em que ele é acusado deverão ser traduzidos e enviado à Justiça alemã.

— O processo não irá parar porque ele está fora do país. Mas em caso de condenação não será extraditado pela Alemanha. Se o Brasil pedir o cumprimento da pena, após a condenação, e a Justiça alemã aceite, seria o tempo conforme a sentença, mas com as regras de lá — explica o professor da UERJ Cristiano Fragoso.

Na denúncia apresentada à Justiça, o Ministério Público negou que tenha perdido algum prazo processual — tese que sustentou o pedido de habeas corpus do alemão. A promotora Bianca Chagas de Macêdo Gonçalves afirma que soube através da imprensa que o habeas corpus havia sido decretado. Ela defendeu que entre a data da audiência de custódia e o recebimento dos autos pelo MP passaram apenas oito dias.

Alegando que a promotoria citada primeiramente no caso não era a responsável pela ação, a promotora diz ser “curioso” o Tribunal de Justiça demorar oito dias para o envio de um ofício de “passos simples”. Ao decretar a prisão do cônsul, o juiz Gustavo Kalil diz lamentar “que a Ilustre Dra Promotora de Justiça tenha optado por postura beligerante ao tecer comentários agressivos ao Poder Judiciário fluminense, seus servidores, o cartório judicial e esse magistrado”.

Segundo Camila Lourenço, delegada assistente da 14ª DP (Leblon), onde o caso foi registrado, a versão do alemão, de que o marido havia tropeçado e caído, não era compatível com as marcas encontradas no corpo do belga durante a necropsia. O cônsul foi preso temporariamente pela prisão do marido. Nesta segunda-feira, a delegada criticou a decisão que permitiu a saída de Hahn do país.

— A Polícia Civil está perplexa e estarrecida com o retorno do cônsul ao seu país de origem. Lamentamos pelo trabalho investigativo ter sido em vão, já que não prendemos sozinhos e dependemos do esforço e atuação diligente de todos os órgãos que atuam na persecução penal para que os autores de crimes sejam mantidos presos, processados e julgados. No caso em questão, haveria a possibilidade de determinação de medida cautelar diversa da prisão, como a retenção do passaporte, o que dificultaria sua fuga e garantiria o prosseguimento da ação — disse ao GLOBO Camila Lourenço.

Procurada, a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita afirmou por mio de nota que não iria se pronunciar sobre sua decisão. Questionado se o cônsul manteria seu cargo, o consulado da Alemanha disse ter tido ciência da volta de Uwe Hahn, mas que não iria fornecer informações sobre a pessoa ou detalhes do caso. Os advogados de defesa do cônsul não foram localizados.