Polícia Federal diz que Abin atrapalhou investigação de Jair Renan Bolsonaro
Integrante da Agência Brasileira de Inteligência admitiu em depoimento ter recebido missão para atuar em caso de filho do presidente
A Polícia Federal afirmou em um relatório que a Agência Brasileira de Inteligencia (Abin), o serviço secreto brasileiro, atrapalhou o andamento de uma investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente da República. Um integrante do órgão, flagrado numa operação, admitiu em depoimento que recebeu a missão de levantar informações de um episódio relacionado a Jair Renan, sob apuração de um inquérito da PF. Segundo o espião, o objetivo era prevenir "riscos à imagem" do chefe do Poder Executivo.
A operação da Abin ocorreu em 16 de março do ano passado, quatro dias após o filho do presidente e o seu preparador físico Allan Lucena se tornarem alvos de uma investigação da PF. A dupla é suspeita de abrir as portas do governo para um empresário interessado em receber recursos públicos. Àquela época, Lucena percebeu que estava sendo seguido por um veículo que entrou na garagem de seu prédio. Incomodado, o personal trainer acionou a Polícia Militar. O suspeito, quando abordado, identificou-se como Luiz Felipe Barros Felix, agente da PF cedido para o órgão de inteligência. O episódio de espionagem foi registrado em um boletim de ocorrência.
Ao ser chamado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos, Felix contou que trabalhava na Abin vinculado diretamente a Alexandre Ramagem, então comandante da agência e homem de confiança do presidente. Os dois trabalharam juntos durante a campanha presidencial que elegeu o Bolsonaro. O agente confirmou que recebeu a missão de um auxiliar do chefe do órgão de inteligência. O intuito era levantar informações sobre o paradeiro de um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil — que teria sido doado a Jair Renan e ao seu personal trainer por um empresário do Espírito Santo interessado em ter acesso ao governo. "O objetivo era saber quem estava utilizando o veículo", afirmou Felix, em depoimento. "O objeto de conhecimento era para saber se os informes que pudessem trazer risco à imagem ou à integridade física do presidente eram verdadeiros ou não", complementou ele, sem dar mais detalhes da operação.
A PF também ouviu Allan Lucena, que teve os seus passos seguidos pelo agente da Abin. Em depoimento, o personal trainer afirmou ter desistido de dar prosseguimento ao boletim de ocorrência, porque teve medo de retaliações e afirmou que "se sentiu ameaçado". O preparador físico e Jair Renan passaram a ser investigados por intermediar, com a ajuda do Palácio do Planalto, uma reunião entre um empresário do Espírito Santo e o então ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. A pasta disse, em nota, que o encontro foi solicitado oficialmente pelo gabinete da Presidência, por meio de um assessor especial de Bolsonaro, amigo de Jair Renan.
Após analisar o caso, a PF afirmou em um relatório que a atuação da Abin foi uma "interferência nas investigações" e destacou que, após a operação descoberta, Allan decidiu devolver o automóvel elétrico. "A referida diligência, por lógica, atrapalhou as investigações em andamento posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após a ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria 'devolvido' veículo supostamente entregue para o sr. Renan Bolsonaro", pontua o documento policial enviado à 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal no fim do ano passado, solicitando a prorrogação do inquérito.
O relatório parcial também cita que essa interferência da Abin pode ter estimulado os investigados a combinarem versões a respeito dos fatos e diz que "não há justificativa plausível" para a diligência da Abin.
Procurada, a Abin afirmou, em nota, que não há documentos oficiais sobre a operação. "Não há registro da referida ação nos sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). O agente de Polícia Federal Luiz Felipe Barros Felix não faz parte dos quadros da ABIN desde 29 de março de 2021", diz o comunicado. O desligamento de Felix do órgão de inteligência ocorreu 13 dias após ele ter sido flagrado em missão.
Procurado, o agente Luiz Felipe Barros Felix não quis comentar. O personal trainer Allan Lucena não retornou os contatos. O advogado Frederick Wassef, que defende Jair Renan e o presidente, afirmou que a atuação da Abin não teve relação com a Presidência da República nem atrapalhou a investigação e que se trata de um "fato isolado" de um "indivíduo que se encontrava ali por conta própria". Wassef afirmou ainda que Jair Renan "jamais ganhou um carro de quem quer que seja" e negou que o filho do presidente tenha aberto as portas do governo federal a empresários.
"Quando acompanhei meu cliente na Polícia Federal, ficou muito claro que Jair Renan Bolsonaro jamais participou nem praticou qualquer ato direto ou indireto para solicitar qualquer reunião junto ao governo federal. Isso simplesmente não existe", disse o advogado.
O ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, candidato a deputado federal, foi procurado por meio de seu advogado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
Delegado de carreira da Polícia Federal, Ramagem se tornou próximo da família Bolsonaro após atuar na segurança da campanha presidencial e, por isso, foi escolhido em maio de 2019 para comandar a Abin. O titular do Palácio do Planalto queria uma pessoa de confiança no comando da agência para receber, de forma mais célere, informações de inteligência. Para cumprir essa missão, Ramagem levou para o órgão diversos integrantes da PF, inclusive Luiz Felipe Barros Felix. Ramagem deixou o comando da Abin em março deste ano para concorrer ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Sob a gestão de Ramagem, a Abin também se envolveu em outro episódio rumoroso de um filho do presidente. A agência recebeu, em uma reunião, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para tratar de assuntos relacionados à investigação do caso das rachadinhas. O então diretor Alexandre Ramagem admitiu o encontro em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas disse que não produziu relatórios para auxiliar o parlamentar.