CRIME NO RIO

Nome de cônsul alemão não entra na lista de procurados e Interpol questiona imunidade diplomática

Justiça brasileira enviou mais informações sobre a denúncia da morte do belga Walter Biot à polícia internacional

Uwe Herbert Hahn, cônsul alemão - Reprodução TV Globo

Apesar de ter tido a prisão decretada pela Justiça brasileira, o cônsul Uwe Herbet Hahn — acusado de matar o marido em Ipanema — não foi incluído na lista de procurados da Interpol. O escritório central da polícia internacional em Lyon, na França, responsável pela inclusão de nomes na lista vermelha, questionou o atual status diplomático de Hahn e quais são suas imunidades na legislação brasileira. O ofício da Interpol foi enviado à Polícia Federal e incluído no processo que julgará o cônsul pela morte do belga Walter Biot. Uwe Herbet Hahn voltou à Alemanha após ter sua prisão relaxada.

No ofício enviado para o Brasil, a  Secretaria Geral da Interpol em Lyon informa que a profissão registrada do alemão em seu banco de dados é de "diplomata". Por isso, o escritório da polícia internacional considera que Uwe Herbet Hahn pode ter alguma imunidade diplomática e pede mais informações sobre o status diplomático do alemão e quais são suas imunidades à luz da legislação brasileira.

"Informamos que, de acordo com a prática da Interpol, nos casos em que surgir uma questão sobre o status do indivíduo e possíveis imunidades, a Secretaria-Geral entrará em contato com o Escritório Central do país destinatário, ou seja, o NCB Wiesbaden (Alemanha) para obter sua opinião sobre a questão da imunidade", diz trecho da mensagem traduzida ao qual o Globo teve acesso.

O cônsul alemão Uwe Herbert Hahn, preso em 6 de agosto pela morte do marido, o belga Walter Henri Maximillen Biot, deixou o Brasil rumo a Alemanha no fim de agosto. Na sexta-feira, 26 de agosto, a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, relaxou a prisão do diplomata por considerar que havia demora na denúncia do Ministério Público contra Hahn. O cônsul chegou a Frankfurt dois dias depois.

Em resposta ao ofício da Interpol, juntado no processo, o juiz Gustavo Gomes Kalil, que decretou a prisão preventiva do cônsul, disse que a Justiça brasileira entende que não se aplica a imunidade consular a Hahn. O magistrado enviou à Interpol a cópia da denúncia do Ministério Público, sua decisão de decretar a prisão do cônsul, a audiência de custódia do alemão e um parecer do Ministério das Relações Exteriores.

"Entende a Justiça brasileira que não se aplica a imunidade consular, pois o Acusado teria praticado crime de homicídio qualificado consumado em desfavor de seu companheiro, em contexto distinto do exercício de suas funções consulares. Ademais, solto por excesso de prazo ( e não pelo reconhecimento de eventual imunidade) deixou o Brasil sem qualquer comunicado prévio ao Juízo, apesar de já contar com Patrono constituído, manifestando desrespeito ao Poder Judiciário brasileiro", escreve Kalil.

O magistrado ainda pediu à presidência do Tribunal de Justiça do Rio a solicitação da expedição de uma carta rogatória para Hahn — uma intimação internacional que deve ter o auxílio ainda do Ministério das Relações Exteriores.

Ameaças a testemunha

O espanhol ameaçado pelo cônsul alemão Uwe Herbert Hahn pelo depoimento prestado sobre a relação do belga Walter Henri Maximillen Biot, morto em 6 de agosto, com o marido, relatou à polícia uma rotina de agressões e indícios de um relacionamento abusivo entre o casal dois dias depois do crime.

Ele classificou a postura de Uwe, que se tornou pelo homicídio de Biot, como "extremamente arrogante". E revelou que não era raro ouvi-lo vociferar: "Eu sou diplomata e nada pode me acontecer". A opinião sobre o perfil agressivo foi reforçada na terça-feira, após receber mensagens de ameaças enviadas por aplicativo da Alemanha, para onde Uwe voltou.

Proprietário de uma barraca de praia, o espanhol ficou amigo de Walter Biot um mês após chegar ao Rio, em outubro de 2019. Ele conta que, desde então, tinham uma relação próxima, de amigos, sem qualquer tipo de relacionamento sexual ou amoroso, principalmente durante a pandemia. Uwe, aparentemente, não via a relação com bons olhos e fazia questão de não manter contato com o comerciante.

Um programa comum dos amigos era caminhar na Lagoa, o que acontecia durante a semana, de segunda a quinta, quanto Uwe não estava em casa. Nos fins de semana e às sextas, quando o cônsul terminava o expediente mais cedo, o passeio não acontecia. Segundo o espanhol, Uwe não deixava que ele saísse.

Desde que casou com o Uwe, Walter deixou de trabalhar e ficou responsável pelas tarefas do lar. Como passava mais tempo em casa, tinha amigos na região, o que também não era bem visto por Uwe. De acordo com a testemunha, o cônsul tratava essas pessoas com desprezo, assim como fazia questão de menosprezar o companheiro.

Ainda segundo essa testemunha, Uwe era usuário costumaz de cocaína e de cristal, e quem ficava encarregado de comprar as drogas era Walter, que era consumidor esporádico de entorpecentes. O casal também fazia uso frequente de álcool. As brigas entre os dois eram constantes, assim como as humilhações. A testemunha disse ainda que o belga tinha vergonha dos vizinhos devido aos "barracos" que aconteciam no apartamento em Ipanema e que já tinha visto uma porta e uma janela quebradas num desses episódios, assim como potes de comida de vidro quebrados pelo chão.

Cerca de um ano atrás, Walter decidiu se separar e retornou para a Bélgica. Após três meses, voltou para o Brasil e reatou o casamento. Nesse período, o belga recebeu dois terços de uma herança de 600 mil euros. Com independência financeira, teria mudado de postura, passou a sair mais com os amigos e realizar atividades por conta própria. Uwe não gostou desse comportamento, as brigas ficaram mais intensas e o consumo de álcool e drogas mais frenético.

A testemunha relatou que nunca presenciou as agressões, mas que recentemente Walter Biot estava mais recluso e era pouco visto por amigos e vizinhos. Preocupado, o espanhol teria ido até o prédio e interfonado para o amigo, que confessou que não estava bem e aparentava ter ingerido bebida alcoólica. A partir daí, o contato passou a ser feito apenas por mensagens, e Walter não atendia mais as ligações.

O espanhol afirmou ainda que foi ele quem comunicou a morte ao irmão de Walter, Pascal, já que, na versão de Uwe, o belga teria sofrido uma queda e estaria sendo socorrido. Foi quando Pascal lhe confidenciou uma mensagem da vítima dizendo ter sido agredida por Uwe em 17 de julho, e que teve vontade de dar queixa, mas não o fez.