Forças Armadas, a instituição que Bolsonaro quer como árbitro das eleições
Mais de 6 mil militares da ativa ou reformados foram nomeados para a administração federal
O presidente Jair Bolsonaro defende que as Forças Armadas tenham um papel de árbitro nas eleições de outubro, mas apesar de seus esforços para alinhar os militares, especialistas descartam qualquer manobra antidemocrática proveniente dos quartéis.
Ex-capitão do Exército de 67 anos, Bolsonaro (PL) encerrará seu mandato tentando transformar as forças armadas em um suporte político para seu governo, destaca Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especializado em história militar.
Prova disso é que mais de 6 mil militares da ativa ou reformados foram nomeados para a administração federal, com o general da reserva Hamilton Mourão no mais alto cargo, o de vice-presidente.
No 7 de Setembro, Dia da Independência, Bolsonaro tentou dar tons eleitorais à tradicional parada militar em Brasília, permitindo a participação de seus apoiadores, fosse com tratores ou como integrantes de uma igreja evangélica.
Bolsonaro, nostálgico da ditadura (1964-1985), "considera que estar ao lado das forças armadas e ter demonstrações militares o fortalece", assegura Fico.
O exército e o voto eletrônico
Para as eleições de outubro, nas quais tentará se reeleger frente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), do PT, o presidente levou este desejo ao ápice, ao tentar alinhar o Exército em seu desafio ao sistema de votação eletrônico, cuja confiabilidade põe em dúvida.
As Forças Armadas costumam dar apoio logístico às eleições e garantem que o processo ocorra sem sobressaltos. Desta vez, também foram convidadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a participar de uma Comissão de Transparência das Eleições (CTE).
"Convidaram as Forças Armadas (..) Têm responsabilidade, têm sua credibilidade perante a opinião pública, e não vão servir de moldura para a eleição", disse Bolsonaro em 30 de agosto.
Os nove representantes do Exército apresentaram à CTE quase uma centena de questionamentos sobre a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, endossando as dúvidas do presidente.
O TSE qualificou boa parte dos apontamentos como "opiniões" e negou, por exemplo, a suposta existência, citada pelos militares, de uma "sala escura" de contagem de votos.
"Profissionalismo" nos quartéis
O Brasil adotou o voto eletrônico em 1996 e foi com este sistema que Bolsonaro foi eleito cinco vezes deputado federal pelo Rio de Janeiro e, em 2018, presidente. Nunca foram provados episódios de fraude nas urnas eletrônicas.
No entanto, o presidente, atrás de Lula nas pesquisas de intenção de voto, assegura que aceitará o veredicto das urnas "desde que" o processo seja "limpo e transparente".
Neste sentido, políticos, diplomatas e observadores em Brasília têm se questionado qual seria a atitude dos militares se Bolsonaro desafiasse o resultado.
O general da reserva Maynard Santa Rosa, ex-secretário de Assuntos Estratégicos de Bolsonaro, rejeita o "papel moderador" que seu ex-chefe atribui às Forças Armadas e é taxativo sobre o compromisso dos militares diante de uma eventual manobra antidemocrática.
"O presidente expõe opiniões inconsequentes. Não há a menor possibilidade de que [as Forças Armadas] tenham um papel fora do que está escrito na Constituição", disse à AFP Santa Rosa, que serviu por 49 anos.
"Os generais que estão no governo ocupam cargos políticos e há um enfoque militar, não político", mas o "ambiente nos quartéis não é politizado, é profissional", o que anularia qualquer possibilidade de desobediência constitucional, assegura.
"Teatro político"
Fico concorda que tanto o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, quanto o candidato a vice-presidente de Bolsonaro e seu ex-chefe de Gabinete, general Walter Braga Netto, são militares "que não têm comando de tropas" e fazem uma série de "provocações".
"Mas não há nenhum movimento generalizado dos militares da ativa preocupados com a verificação das urnas", explica o professor, que aponta a Polícia, "muito influenciada pelo bolsonarismo", como um sujeito potencialmente mais propenso a provocar um tumulto.
Apesar de a equipe de campanha de Bolsonaro ter lhe sugerido que se abstenha de fazer críticas às urnas, o que afasta eleitores moderados e pode lhe tirar votos, um colaborador do presidente se resigna, sob anonimato, a aceitar que o presidente não as deixe de lado.
"É parte de seu personagem, do teatro político. Afinal, sem isso, deixaria de ser quem é", admite à AFP.