A fome se agrava no Brasil e esquenta disputa eleitoral
O país havia sido eliminado do "Mapa da Fome" em 2014
Em uma casa precária de cimento no Sertão, Maria da Silva abre sua geladeira vazia e cai no choro. O rosto moreno e enrugado desta viúva de 58 anos revela o peso da luta cotidiana para alimentar sua família, depois que seu irmão, que a ajudava, morreu de Covid-19 no ano passado.
Ela e seus sete filhos e netos moram em uma casa abandonada em Poço da Cruz, zona rural de Pernambuco, e estão entre os 33,1 milhões de brasileiros com fome.
O número, que aumentou 73% nos últimos dois anos, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), virou foco de uma batalha política antes das eleições presidenciais de outubro.
Ela mostra uma lata de leite em pó quase vazia com a qual deve alimentar seus netos, de 15 meses, dois e três anos. A casa onde vivem não tem banheiro, água e eletricidade.
"Tem hora que eles pedem comida aqui e eu não tenho pra dar nem uma bolacha, nem um pão, nem nada para os bichinhos", disse entre lágrimas. O aumento dos preços dos alimentos obrigou a família a mendigar. "Rezo para Deus me tirar desse sofrimento", disse a mulher.
O ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), favorito nas pequisas, culpa o presidente de ultra direita Jair Bolsonaro pela reaparição do Brasil no "Mapa da Fome" da ONU em 2021: 28,9% da população sofre insegurança alimentar moderada ou grave.
O país havia sido eliminado do registro em 2014, após um auge da economia e programas sociais que ajudaram 30 milhões de pessoas a saírem da pobreza durante o governo de Lula.
Bolsonaro acusa o político de esquerda de quebrar o Brasil com a corrupção.
O presidente renomeou o programa de assistência social criado por seu opositor e está fazendo uma ampla campanha no nordeste, que concentra um quarto dos 213 milhões de brasileiros.
"Um de nós"
O Sertão é conhecido por suas secas cíclicas, onde diferentes gerações enfrentaram episódios ainda mais graves (1960, 1993, 2010) e a miséria causada por elas.
"Custou o nosso suor superar essa situação", disse João Alfredo de Souza, de 63 anos, líder da comunidade (quilombola) Conceição das Crioulas, fundada no século XVIII por ex-escravos.
De Souza lembra os mandatos de Lula como um ponto de virada por sua políticas de promoção de infraestrutura, bem-estar e o "Fome Zero".
Mas para este agricultor aposentado tudo ficou "muito difícil" com a pandemia, que deixou 680 mil mortos no país, afundou a economia e impulsionou uma inflação galopante.
Segundo De Souza, Bolsonaro ganhou o apoio de muitos na região, após aumentar o valor do "Auxílio Brasil", antigo "Bolsa Família" de Lula.
Bolsonaro triplicou o valor para 600 reais e se comprometeu a aumentá-lo a 800 reais, se vencer a eleição.
Para Souza, o aumento não será suficiente.
"A África do Brasil"
A meia hora de carro por uma estrada de terra fica a região de Queimadas, onde é difícil encontrar sinais de bem-estar entre os moradores de um vilarejo de casas de taipa.
Funcionários da Fundação Nacional de Saúde, do governo federal, chegam em caminhonetes 4x4, e tomam nota das condições sanitárias das casas. Muitas não têm banheiro. "Este lugar é a África do Brasil", disse um deles.
O objetivo aparente do programa é construir instalações adequadas para aqueles que necessitam.
A diretora da associação local de agricultores, Edineia de Souza, se mostra cética. "Essas coisas vêm só em tempo de política", disse a agricultora de 40 anos.
Ela espera que as coisas mudem caso o petista vence. "Esses projetos só saíam no tempo do Lula".
Ainda assim tem pouca fé na política. "Os políticos nem vêm aqui", lamenta