Violência

Guerra mostra as falhas no serviço de inteligência da Rússia

Falha do serviço russo possibilitou à Ucrânia ganhara grande vantagem em contraofensiva

Imagens da guerra na Ucrânia - Sergey Bobo/AFP

Falha dos serviços de inteligência, falta de visão da hierarquia, incapacidade da máquina militar de antecipar eventos previsíveis: a Rússia está claramente surpresa com a contraofensiva ucraniana. 

Em poucos dias, as forças de Kiev ganharam vantagem em uma guerra que parecia ter se estagnado em uma linha de frente praticamente imóvel desde o início do verão, recuperando várias cidades e milhares de quilômetros quadrados. 

"É um fracasso colossal da inteligência militar", estima Michael Kofman, do instituto americano CNA.

Segundo Pierre Grasser, historiador de relações internacionais e pesquisador do laboratório Sirice em Paris, "a Rússia não soube antecipar". 

Como muitos outros, ele menciona a manipulação dos ucranianos, que anunciaram um contra-ataque no sul antes de lançar outro maior no nordeste. 

"No entanto, os sinais fracos poderiam ter alertado Moscou", estima ele, em particular porque a Ucrânia "parece ter sondado essa linha de frente ao longo do mês de agosto" com operações de pequena escala. 

O efeito surpresa é ainda mais inesperado porque o conflito é objeto de uma profusão sem precedentes de imagens de satélite e informações disponíveis para todos. 

Nenhum grande movimento de tropas ou artilharia pode escapar do inimigo.

Rob Lee, do Instituto de Pesquisa das Relações Internacionais (FPRI) da Filadélfia, aponta inclusive que algumas emissoras russas alertavam no Telegram há um mês sobre uma concentração ucraniana perto de Kharkiv.

"Uma das maiores fraquezas do exército russo é que ele demora a responder às mudanças no campo de batalha", comenta o especialista. 

Prisioneiro da cultura soviética, o exército russo "é muito centralizado, mas também toma decisões ruins, ou não toma decisões", continua.


O peso das armas ocidentais 

O fracasso retumbante da tentativa de Moscou de conquistar Kiev em março já havia revelado as fraquezas insuspeitas daquele que já foi considerado um dos exércitos mais poderosos do mundo. 

A inteligência russa foi estigmatizada, até mesmo pelo próprio Putin, como a frágil capacidade de adaptação das unidades de combate, desconectadas de seu Estado-Maior. 

O exército russo conseguiu se reorganizar e avançar para o Donbass na primavera, causando grandes perdas ao seu adversário.

Mas suas fraquezas orgânicas reapareceram. As guerras são vencidas menos no combate do dia e mais na antecipação do dia seguinte e, neste ponto, o herdeiro do Exército Vermelho parece ter problemas.

Em junho, na ausência de uma mobilização geral, os russos não substituíram as unidades esgotadas por meses de combate, lembra Kofman. 

"Eles continuaram pressionando as forças ucranianas no Donbass, apesar de poucas chances de sucesso. Eles também não se prepararam o suficiente para se defender", deixando partes do front "terrivelmente expostas" a contra-ataques. 

O especialista militar independente russo Alexander Jamshikhin observa que ataques simultâneos ucranianos complicam a tarefa de Moscou.

"A inteligência russa não compreendeu exatamente onde aconteceria a verdadeira contraofensiva", destaca à AFP. Para ele, o retrocesso russo é explicado por outros motivos.

"Na Ucrânia, toda a população está mobilizada. Portanto, os ucranianos podem adicionar quantas pessoas quiserem", observa. 

O especialista menciona ainda "o equipamento técnico, especialmente o número de armas no terreno", em benefício, segundo ele, das forças de Kiev. 

Mas Moscou não podia ignorar o fato de que o presidente Volodymyr Zelensky acabaria obtendo as armas modernas que exigia de seus aliados.

Seus chefes militares "não se prepararam para a introdução das armas da Otan", afirma em sua conta do Twitter Christopher Dougherty, do CNAS em Washington.

Os mísseis Himars e Harm ou os obuses de autopropulsão Caesar mudaram o curso da guerra, ainda mais porque Moscou não previu seu impacto nos combates.