Criança indígena tem 14 vezes mais chance de morrer de diarreia do que uma branca; mostra estudo
Levantamento da Fiocruz aponta para profundas desigualdades raciais na mortalidade infantil de crianças brasileiras
Em apenas oito meses, 16 crianças indígenas com menos de cinco anos morreram em duas aldeias do interior do Acre. A causa dessas mortes deveria ser algo impensável em 2022: diarreia.
Um estudo feito pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e publicado na prestigiada revista científica Lancet mostra que a situação não é excepcional e faz parte de um quadro de desigualdade racial entre as crianças brasileiras.
— É uma coisa escandalosa. Essas crianças morreram porque consumiram água contaminada. E são vidas com as quais a sociedade não se importa — afirma a pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz, Poliana Rebouças, que liderou o estudo.
A desigualdade se traduz em números. Os pequenos indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer de diarreia do que os brancos. De má-nutrição chega a 16 vezes mais e de pneumonia, 7 vezes.
Entre as mulheres pretas, também há risco de que percam seus filhos por estes desfechos. Esses riscos foram quantificados em 72% de diarreia, 78% de pneumonia e 2 vezes mais chances de serem vítimas da desnutrição — sempre comparadas às crianças de mães brancas.
O estudo acompanhou 19,5 milhões de crianças brasileiras nascidas entre janeiro de 2012 e dezembro de 2018. A partir dessa amostra expressiva coletada do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc), descobriu-se que 224 mil crianças com menos de cinco anos também apareceram no Sistema de Mortalidade. Geralmente, por causa evitáveis, como diarreia, desnutrição, pneumonia e gripe.
Os acidentes também representam um risco desigual. As crianças filhas de mães pretas têm 37% mais chances de morrerem do que as de mães brancas. Já entre os indígenas, esse risco é aumentado para 74%.
— Apesar de ter ocorrido uma redução significativa da mortalidade infantil nos últimos anos, desde a década de 1990, vemos que não alcançou patamares iguais do ponto de vista da redução da desigualdade racial. Entra as raças há um gap importante, especialmente das pretas e das indígenas em relação às brancas. E a desigualdade aumentou nesse período. Sabemos que existe uma política de saúde integral da população negra e indígena, mas ela precisa ser aplicada na prática com um olhar para a infância — afirma Rebouças.
Causas para desigualdade
Um fator importante para a sobrevivência das crianças e das mães é que realizem pelo menos seis consultas de pré-natal. Entre as mães indígenas, quase um terço (29%) fez metade do recomendado pelas organizações de saúde. Essa proporção entre pretas e pardas foi igual, 11%, e já entre as brancas, apenas 5%.
Segundo os pesquisadores as desigualdades raciais são também causadas por barreiras de acesso aos serviços de saúde materna e infantil, além de condições de vida essenciais como saneamento e água potável.
A situação dessas mães e famílias também está por trás da desigualdade: 52% das mães pretas eram solteiras, entre as indígenas essa porcentagem é de 43%, as pardas 45% e entre as brancas, 36%.
Além de vivenciarem mais a maternidade solo, elas têm menor escolaridade e integram também uma fatia importante das que têm quatro filhos (três filhos vivos na hora do parto e o que está nascendo). Esse grupo é liderado pelas indígenas que têm mais filhos: elas são 34%, as pretas 14%, as pardas 12% e as brancas 6%.
— Selecionamos causas ligadas a condições sociais e de vida, como diarreia, desnutrição, gripe e pneumonia, além dos acidentes. A última causa que gostaria de falar são as mal definidas, ou seja, quando nem sequer se sabe a causa da morte — afirma a pesquisadora. — Há falta de acesso ao serviço de saúde e sobrecarga dos cuidadores, com falta de políticas para abraçar as necessidades dessas famílias, como creche de qualidade. A sociedade toda tem responsabilidade sobre esses cuidados.