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Após BC manter Selic em 13,75% ao ano, analistas só veem redução dos juros em meados de 2023

Decisão do Copom teve dois votos divergentes. Banco Central mantém porta aberta para novas altas, conforme o comportamento da inflação

Banco Central do Brasil - Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O Banco Central (BC) decidiu encerrar o maior ciclo de alta de juros desde a criação do regime de metas de inflação, em 1999. A decisão de manter a Selic em 13,75% ao ano colocou um ponto final no ciclo de 12 elevações seguidas, iniciado em março de 2021.

Entretanto, o tom mais duro da nota do Comitê de Política Monetária (Copom), juntamente com votos divergentes na decisão, indicam a possibilidade de novas altas caso o cenário de inflação piore. E, segundo analistas, os juros deverão se manter em patamar elevado até meados do ano que vem.

Em seu comunicado, o Copom disse que se “manterá vigilante” sobre a inflação. “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.”

Para Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, esse trecho foi um recado duro contra a inflação. Mas ele não espera uma retomada das elevações:

— O cenário com que a gente trabalha não é de aumento de juros. Esperamos corte só no segundo semestre do ano que vem, que levaria a Selic para 12% no fim do ano.
 

Tatiana Nogueira, economista da XP, projeta que o BC comece a cortar os juros em junho do ano que vem, terminando 2023 em 10%.

A permanência da Selic em patamar elevado terá impacto para os endividados, que viram as taxas subir nos últimos meses. Segundo a CNC, quase 80% das famílias brasileiras tinham dívidas em julho, o maior nível dos últimos 12 anos.

— O endividamento e o comprometimento de renda das famílias permanecem altos e devem começar, em algum momento, a aparecer na inadimplência. Esta ainda está baixa, mas as famílias podem começar a não pagar, dado o custo muito elevado a dívida — disse Tatiana.

Os desafios do BC agora incluem sobre quanto tempo manter os juros em patamar alto para cumprir a meta de inflação para 2023 e 2024, de 3,25% e 3%, respectivamente. A deste ano, de 3,5%, já está descartada — em agosto, o IPCA ficou em 8,73%.

As futuras decisões vão depender do cenário econômico no ano que vem e de possíveis surpresas inflacionárias.

Na avaliação do Copom, o ambiente inflacionário “segue pressionado”, com países avançados prosseguindo na estratégia de elevar suas taxas de juros. No Brasil, a análise é que há risco de alta para a inflação pela persistência de pressões globais e a incerteza sobre o quadro fiscal, além de uma atividade econômica mais aquecida que o originalmente previsto.

O fato de o BC dizer que “não hesitará” em retomar a alta dos juros foi, nas palavras da economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, um “cartão amarelo” para quem esperava uma redução dos juros em breve. Ela espera que a Selic comece a diminuir no terceiro trimestre de 2023 e termine o ano que vem em 11,75%.

Camila destaca ainda que há alguns fatores de atenção para a inflação, como a atividade econômica mais aquecida devido aos crescimento do setor de serviços, a taxa de desemprego em 9,1% e a parte fiscal, com a possível reoneração de alguns tributos sobre combustíveis e a incerteza depois das eleições.

— Vamos ver se vai acontecer essa recomposição dos tributos federais ou não. Além disso, temos de ver como vai ser a orientação da política fiscal: não se sabe se vai haver manutenção do Auxílio Brasil, pagamentos adicionais ou não — afirmou Camila.

O ciclo de alta que durou 18 meses começou com os juros na mínima histórica, 2% ao ano. A pandemia e, mais tarde, a guerra na Ucrânia, vêm alimentando a inflação global. Também ontem, o Federal Reserve (Fed, o BC americano) elevou sua taxa para o maior patamar desde janeiro de 2008 — e alertou que haverá novas altas.

As decisões do Copom, que reúne os oito diretores e o presidente do BC, vinham sendo unânimes. A de ontem, porém, teve duas dissidências: o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, Renato Dias de Brito Gomes, e a diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, Fernanda Guardado, votaram por uma alta de 0,25 ponto percentual.

Essa divergência encontra eco no mercado. Enquanto a maioria dos analistas esperava a manutenção dos juros, alguns ainda consideravam possível que a Selic fosse para 14%.

Expectativa para 2024

Entre os fatores que poderiam reduzir a inflação estão a continuidade da queda dos preços das commodities, uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada e a manutenção dos cortes de impostos já adotados. “O Comitê avalia que a conjuntura, ainda particularmente incerta e volátil, requer serenidade na avaliação dos riscos.”

Segundo o Boletim Focus, que reúne projeções de analistas de mercado, os juros devem começar a cair em 2023 e encerrar o ano que vem em 11,25%. O mesmo documento aponta inflação em 5,01% em 2023, acima do centro da meta, de 3,25%, e do teto, de 4,75%. Essas projeções, no entanto, vêm caindo.

Para 2024, quando o centro da meta será de 3%, as expectativas ainda estão controladas. O Focus aponta uma projeção mediana de 3,5%. As projeções divulgadas pelo Copom em seu comunicado apontam inflação de 5,8% neste ano, de 4,6% em 2023 e de 2,8% em 2024.