Zoom

Como mudar nossos hábitos? Conheça formas de 'reprogramar' o cérebro para ter uma vida mais saudável

É possível deixar de lado o "automático" e adotar uma conduta mais satisfatória. Mas essa tarefa não é nada simples.

Abson Valentim, 36, parou de fumar há cinco anos: "Me sinto bem sem o cigarro" - Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

No primeiro mês depois que deixou de fumar, Abson Valentim só faltava esmurrar a parede. Quem já passou pela experiência de abandonar um vício entende bem o que se sucedeu com ele. Largar um hábito antigo, que, no caso de Abson, perdurou por dez anos, desde as primeiras calouradas no começo da faculdade, é difícil e, por vezes, doloroso.

A decisão de superar o tabagismo foi tomada em uma noite de maio de 2017, quando o professor de português e espanhol, que também atua como músico e revisor de texto, saía de uma festa no Bairro do Recife.

“Estava esperando o ônibus para voltar para casa e senti a ‘necessidade’ de comprar uma carteira de cigarro. Como não tinha caixa eletrônico perto, atravessei a ponte e me dei conta de que corri um perigo absurdo por uma coisa efêmera que corroía minha saúde. Não consegui comprar a carteira, porque, graças a Deus, meu cartão bloqueou. No dia seguinte, procurei informações sobre como parar de fumar”, conta Abson, que hoje tem 36 anos.

Consciência e vida saudável
Tomada a decisão, o educador procurou adotar um estilo de vida mais saudável. Parou, por completo, de tomar bebida alcóolica e diminuiu o consumo de cafeína. Nos momentos de abstinência, quando vinha aquele impulso mais forte de querer fumar, ele resolveu que, no lugar de ir atrás do tabaco, usaria outra substância: um copo d’água. Aos poucos, deixou de sentir falta da nicotina.

“Eu me sinto tão bem com a pessoa que sou agora sem cigarro. Em sete dias, o paladar melhorou bastante. O gosto que eu não sentia na comida passou a vir mais apurado. Tudo fica melhor no campo sensorial. Outra área que o cigarro afetou foi a voz. E, como eu dependo dela para trabalhar, percebi que estava perdendo fôlego. Depois, eu precisei ir à fonoaudióloga [para recuperar a voz]”, diz Abson.

Para começar um processo de largar um vício, continua o professor, é preciso, antes de tudo, ter consciência da decisão e dos benefícios que terá a partir dela. “Isso é fundamental para abandonar um hábito que não nos faz bem. Tudo o que estiver relativo à saúde e puder trazer uma ajuda é bem-vindo. Praticar um esporte, alimentar a mente, ler um livro, fazer coisas naturais do nosso dia a dia que estão ao nosso alcance”, considera.

Abson Valentim, 36, não sente falta do cigarro (Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco)

Como mudar nossos hábitos?
Histórias como a de Abson remetem a uma situação que muitos vivem no cotidiano: como parar de fazer aquela ação que a gente está acostumado a praticar há anos? Até que ponto vai o “poder” do hábito? Para as duas perguntas, a resposta é positiva, uma vez que é possível deixar de lado o “automático” e adotar uma conduta mais saudável e satisfatória. Mas, como quase tudo o que envolve o comportamento humano, não é uma tarefa fácil.

“O hábito é um estado de ser”, define a psicóloga, neurocientista e professora Diélita D’Loe. De acordo com a especialista, essas repetições constroem e fortalecem redes neurais como códigos de sobrevivência, sendo acionados por fatores internos ou externos. “Atuamos 95% de nossas vidas de maneira automática. Neste caso, o programa já está construído, é só rodar, assim como um software que recebe os comandos e apenas os executa”, explica.

Vício e compulsão
Muitas vezes, a repetição de um ato pode se intensificar até provocar um transtorno. É o que se chama de vícios e compulsões.

“Ambos os comportamentos são disfuncionais e promovem reações bioquímicas no corpo com impactos negativos, ocasionando, contudo, o processo que chamamos de doença. Vêm como uma resposta de alívio a uma necessidade de dor emocional, podendo estar ligados a experiências de abuso, rejeição, vulnerabilidade, desesperança, falta de autonomia, isolamento ou negligência”, afirma a neurocientista Diélita D’Loe.

A diferença entre um e outro está na natureza e no direcionamento da ação. “A compulsão, não necessariamente, está ligada a um mesmo objeto de desejo, mas à repetição do comportamento. Por exemplo, posso ter compulsão por comer, mas comendo qualquer coisa. Já o vício tem um objeto específico. O olhar é deslocado não para o repetir do movimento, mas no pós-movimento, que é a repetição do consumo em si do objeto específico, gerando a dependência química, incorporada, do objeto de desejo dentro da ação. Normalmente, torna-se um padrão com tendência a aumentar até que a pessoa passa a viver o vício como se fosse a própria vida”, conceitua a especialista.

Nesses casos mais severos, é necessário procurar uma ajuda profissional.

Psicóloga Conceição Pereira (Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco)

Um passo de cada vez
O processo de reprogramação de uma rotina estabelecida há muito tempo exige não só determinação e disciplina, mas também autoconhecimento. “Quando eu decido mudar com o coração, a dinâmica terá menos resistência do que se for apenas usando o pensamento. É comum haver resistência à nova rotina porque seu funcionamento instalado está totalmente treinado a servir a uma programação que fez você ‘sobreviver’ até aquele momento”, argumenta a neurocientista Diélita D’Loe.

Para a psicóloga Conceição Pereira, do Conselho Regional de Psicologia (CRP-02), ao planejar uma mudança, é preciso olhar para cada etapa de uma vez, sem projetar metas demais que depois podem se tornar desmotivadoras. “Tente, primeiro, ir em pequenos passos, visando a apenas duas ou três metas. Assim, o cérebro vai se reformulando em relação ao hábito novo que você quer consolidar em si mesmo”, analisa.

Uma tática para evitar a desmotivação é buscar a companhia de amigos que tenham o mesmo objetivo. Por exemplo, formar uma dupla ou, até, um grupo de apostas para manter a frequência na academia. “As coisas não vão acontecer de uma hora para outra e, para a formulação do hábito, tenho que evidenciar para mim o que eu quero mudar, como e por qual caminho eu quero fazer isso”, ressalta a psicóloga.

Luiz Mário Moraes (Foto: Oficina da Imagem)

Outra medida que pode ajudar é substituir o hábito que se deseja abandonar por outro, como fez Abson ao beber água no lugar de fumar, ajuda a aliviar a tensão momentânea causada pela abstinência. No entanto, é preciso tomar o cuidado de não desenvolver um vício novo no lugar de outro.

O olhar racional dos estoicos
Há milhares de anos, na Grécia Antiga, uma corrente filosófica se formava, construindo uma postura que pode servir bastante para a adaptabilidade humana às mudanças de rotina. De um modo bem geral, o estoicismo defende uma visão mais racional, desapaixonada, diante dos obstáculos da vida.

Dono de um canal no YouTube sobre o assunto, o profissional de Tecnologia da Informação (TI) Luiz Mário Moraes, 36, tornou-se um influenciador digital ao se aprofundar nas leituras sobre o tema, depois que enfrentou um divórcio. “O estoicismo é muito focado no alinhamento do ser humano com a natureza. Então, tem essa perspectiva de não tentar lutar contra as coisas que acontecem, mas sim se adaptar a elas da melhor forma possível, procurando focar naquilo de que temos controle”, reflete.

Assim, a forma de encarar as adversidades faz toda a diferença na hora de buscar um determinado objetivo. “Muitas vezes, o que atrapalha é a gente esperar que o normal do mundo é a felicidade plena o tempo todo. Mas, na verdade, isso aí é uma fantasia, porque os momentos são a exceção da regra. No caminho do nosso ponto atual até alcançar a meta, haverá vários obstáculos, e o que define quem vai ser bem-sucedido nessa jornada é a nossa capacidade de resolver os problemas”, observa Mário.