Forma rara da doença de Lyme, transmitida por carrapato, em americana de 29 anos impressiona médicos
Meghan Bradshaw relatou ao programa televisivo Today que ficou incapacitada de se cuidar após se formar na faculdade em 2015; diagnóstico correto só apareceu quatro anos depois
O relato de uma paciente de 29 anos, que mora na cidade de Charlotte, no estado americano da Carolina do Norte, e foi diagnosticada com a doença de Lyme — a mesma que acometeu Avril Lavigne e Justin Bieber — tem impressionado médicos nos EUA devido à forma rara desenvolvida em suas articulações. Meghan Bradshaw disse ao programa Today, da emissora NBC, que chegou a ficar incapacitada por causa das dores, que impediram seus movimentos. Ela sequer podia dobrar as mãos depois da infecção e também sofria fadiga e desmaios.
Sem tratamento rápido após a picada de um carrapato transmissor da doença, essa enfermidade pode levar à "artrite de Lyme" e causar danos permanentes. Para tornar isso possível, a bactéria deve entrar nas articulações da pessoa infectada num período que pode variar de alguns dias a vários meses.
Meghan contou que, em seu caso, começou a sentir dores nas articulações quando estava na faculdade que lhe exigiam grande esforço para fazer as mais simples tarefas rotineiras, como escovar os dentes ou se vestir. Em razão disso, já fez 16 substituições de articulações, incluindo ombros, joelhos, quadris e tornozelos.
Doença incapacitante
Seus joelhos doíam tanto que Meghan necessitou usar cadeira de rodas. Já suas mãos tiveram que ser "desenroladas" cirurgicamente pois ela não conseguia abri-las. Até hoje, aliás, Meghan tem dificuldade em movimentá-las.
Ela disse que conseguiu se formar em 2015, mas teve que desistir de um emprego que tinha conquistado em Seattle, no estado de Washington. Diante da necessidade por cuidados contínuos, Meghan voltou para casa dos pais.
Busca pelo diagnóstico
Durante a busca pelo diagnóstico, ela contou que os médicos inicialmente avaliaram doenças autoimunes, quando o sistema imunológico do paciente ataca o próprio corpo. Em seguida, surgiu a indicação de que pudesse ser artrite reumatoide, responsável por atacar as articulações. Meghan, contudo, não tinha o “fator reumatoide” — uma proteína produzida pelo sistema imunológico que pode atacar articulações saudáveis que é considerada peça-chave para a doença. Apesar disso, ela iniciou um tratamento com medicamentos imunossupressores e esteroides, alterou sua dieta e parou de consumir bebidas alcoólicas. Por um momento, os sintomas diminuíram e alguns movimentos foram retomados.
No entanto, as dores voltaram e Meghan passou por uma substituição da articulação a cada três ou quatro meses. Em 2017, seus joelhos tiveram que ser substituídos, seguidos por seus quadris e tornozelos alguns meses depois. Mais tarde, as mãos também se curvaram em punhos permanentes e seus ossos começaram a se fundir, levando os médicos a oferecer ainda mais cirurgias.
Quatro anos até aparecer o diagnóstico correto
De acordo com o portal britânico Daily Mail, se passaram quatro anos para que fosse feito o diagnóstico da artrite provocada pela doença de Lyme a partir de um teste realizado na Clínica Cleveland.
"Foi um grande alívio [ter descoberto a doença] porque foi tipo "ok, ótimo, agora sabemos o que está causando isso". [Mas] ao mesmo tempo foi obviamente muito frustrante porque os diagnósticos errados que me deram e o diagnóstico tardio que experimentei causaram mais complicações" lembrou Meghan, destacando que, naquela ocasião, se sentia com 85 anos, embora estivesse na faixa dos 20.
O caso de Meghan foi tão grave que Glenn Gaston, especialista em mãos da OrthoCarolina, onde ela foi tratada, disse que o caso de Bradshaw foi um dos "piores" que ele já viu.
"Ela é o pior caso da doença de Lyme [que já vi na minha vida]" disse ele Today. "Nunca houve um paciente em um livro ou artigo que eu tenha visto que tenha estado em qualquer situação como a dela. A chance de um paciente com Lyme chegar ao estágio de Meghan é incrivelmente rara."
"Diagnóstico tardio piorou a progressão da doença"
Segundo o Daily Mail, a unidade de saúde OrthoCarolina disse, em comunicado, que "o diagnóstico errado de artrite reumatoide piorou a progressão de sua doença de Lyme, pois o tratamento foi continuamente adiado".
O tratamento correto para o caso de Meghan foi, então, finalmente iniciado com antibióticos próprios para eliminar a doença de Lyme, mas ao mesmo tempo sua condição já era grave o bastante para precisar ter ambos os ombros substituídos. Também foi nesta época que foi realizado o procedimento para "desenrolar" os dedos, devolvendo cerca de 70% do movimento. Agora eles são mantidos no lugar por um metal.
Meghan disse que doou cinco de suas articulações amputadas para ajudar cientistas a entenderem por que a doença de Lyme lhe causou tantos danos. Ela também estuda saúde pública na Universidade da Carolina do Norte e espera que seu caso gere conscientização sobre os riscos dessa enfermidade.
O que é a doença de Lyme
A doença de Lyme, uma síndrome transmitida pela bactéria Borrelia burgdoferi, encontrada em carrapatos-estrela (Amblyomma) e carrapatos da espécie Ixodes.
Um dos primeiros sinais da doença de Lyme é uma mancha vermelha em forma de alvo no local da picada de carrapato, que demora de três a 30 dias para aparecer. Em geral, ela vem acompanhada de sintomas semelhantes ao de gripe, como dor de cabeça, febre e fraqueza. Semanas ou meses após a picada, a doença atinge o sistema nervoso central e pode causar perda de reflexo, formigamento, meningite e até mudanças de comportamento. Caso a doença não seja tratada rapidamente, os efeitos sobre os sistemas nervosos podem ser irreversíveis.
Em fases posteriores da doença, os pacientes podem apresentar artrite crônica, acrodermatite (diminuição da capacidade de absorção de zinco pelo intestino), encefalomielite (perda de coordenação motora causada por danos à bainha de mielina, que conduz os impulsos nervosos). Algumas pessoas ainda podem ter problemas de visão e até cegueira.
Nos Estados Unidos, cerca de 30 mil pessoas são diagnosticadas com doença de Lyme todo ano, principalmente em comunidades rurais das regiões Nordeste e Meio-Oeste. A doença raramente é relatada na Carolina do Norte, onde vive Meghan, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), mas é mais comum na vizinha Viringia. Especialistas alertam que a mudança climática está levando os carrapatos transmissores de doenças a começarem a viajar para o sul.
No Brasil, os casos são identificados pelo nome de borreliose brasileira, doença de Lyme brasileira ou Síndrome Baggio-Yoshinari. O tratamento é à base de antibióticos.