A saúde sem o piso
É humanamente difícil se aceitar que a situação salarial dos enfermeiros no País ainda seja objeto de tanto imbróglio no âmbito dos Poderes da República, principalmente porque mal saímos de uma desesperadora crise sanitária, cuja atuação desses profissionais foi determinante para que muitas vidas fossem salvas.
Isso já bastaria para que a efetivação do referido piso, criado com a Lei nº 14434/2020, pudesse ter sua eficácia plenamente válida. Já não bastou o longo e, porquanto árduo tempo de espera entre as discussões e votações legislativas, para vir a ser promulgado e ainda ser alvo de questionamentos sobre a efetivação do que deveria ter sido há tempos implantado?
Vivemos desde março de 2020 sob um quadro de saúde pública e privada abalável, assistindo ao esforço diuturno de batalhões de profissionais, que renunciaram suas próprias vidas e famílias, para cumprirem sua missão precípua, que é a de salvar vidas.
Ainda naquele duro ano de pandemia, foi apresentado o Projeto de Lei 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato, que previa o piso salarial mínimo para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.
Entre um trâmite legislativo e outro, foi havendo queda no número de mortes e de contaminações, pela Covid-19, devido, em grande parte, ao inarredável trabalho encarado pelos profissionais de saúde, que além dessa demanda que muito abalou os hospitais e postos de trabalho congêneres, o fluxo de atenção e cuidados com outras enfermidades só redobrou.
Essa principioLÓGICA reflexão, por si só, já bastaria para que não houvesse mais nenhum contra-argumento para a implementação do pagamento do piso salarial da categoria.
Todavia, não é o que estamos assistindo, pois mesmo com a promulgação da Lei, o Supremo Tribunal Federal, primeiro por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, depois pelo Plenário, suspendeu o pagamento do piso.
Pode isso, Arnaldo? Juridicamente, sua excelência fundamentou a decisão, aduzindo se encontrarem “riscos à autonomia e higidez financeira dos entes federativos, os reflexos sobre a empregabilidade no setor, a subsistência de inúmeras instituições hospitalares e, por conseguinte, a própria prestação dos serviços de saúde.”
Entretanto, a mais singela das ponderações públicas permitirá concluir que há incongruência, quando se lida com a questão remuneratória dessa categoria, em relação à do próprio Poder Judiciário. Um cálculo aritmético simples levaria à ilação de que bastaria que se promovesse um corte ou destinação correta das fontes e custeios públicos para possibilitar a efetivação da Lei.
Cabe agora ao Pode Legislativo salvaguardar a lei por ele proposta e aprovada.
*Defensor Público e professor
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