Investigação

'Quando criança fui sequestrada e ela era a suspeita', diz filha de madrasta investigada

Nesta sexta, começam a ser ouvidas as testemunhas de acusação do caso da madrata suspeita de ter envenenado entiados

Cíntia Mariano Dias Cabral, madrasta acusada de envenenar os enteados Bruno e Fernanda Carvalho - Reprodução/Twitter

Começam a ser ouvidas, nesta sexta-feira (30), as testemunhas de acusação, na primeira audiência de instrução e julgamento do processo contra Cíntia Mariano Dias Cabral, no 3º Tribunal do Júri da Capital.

Ela é acusada de envenenar os enteados Bruno e Fernanda Carvalho– ele, de 16 anos, sobreviveu à uma suposta tentativa de homicídio qualificado ocorrida em maio, mas a irmã, então com 22 anos, morreu em 28 de março, depois de ficar 13 dias internada. Em seu depoimento, Carla Mariano, filha biológica de Cíntia, contou que quando criança, durante a separação de seu pai com Cíntia, ela foi sequestrada e a própria mãe era a suspeita do crime:

Quando meus pais se separaram, eu fui sequestrada, ela era suspeita. Eu tinha 12 anos. Meu pai foi assaltado dentro da casa dele, depois ela falou pro meu pai que eu tinha sido sequestrada. Ela me pediu pra contar uma história que me pegaram dentro do carro dela. Meu pai não sabia disso até hoje eu não contei nada porque eu era muito nova e tinha medo de acontecer algo com ela. Minha avó sabia, contou.

Mais cedo, Jane Carvalho, mãe das vítimas, foi às redes sociais pedir por Justiça. Na audiência, serão ouvidas 21 testemunhas de defesa e sete de acusação. Essa é a primeira vez que Jane Carvalho, mãe de Bruno e Fernanda estará de frente a frente com a ex-madrasta dos filhos após sua prisão.

"Eu quero deixar claro que não há desejo de vingança, mas de justiça pelos meus filhos, por ela ter tirado a vida da minha filha com apenas 22 anos. O que eu quero é que ela pague por todos os anos que ela tirou da minha filha, que por todos esses anos ela fique enjaulada. Quero pedir que o Brasil esteja comigo, peço corrente de oração de todos. Desejo que ninguém passe por essa perda. Estou confiante nos órgãos competentes e na justiça, principalmente de Deus. Além de ela cometer esse crime, ela foi uma pecadora. Ela envenenou meus filhos pelo prato sagrado, pelo feijão. Com certeza a Justiça vai mante-la presa e vamos para a segunda fase", declarou Jane ao GLOBO.

Cíntia chegou ao Tribunal do Juri por volta das 13h 30. De mãos dadas com advogado de defesa, Cintia Mariano veste uma calça jeans, chinelo, camisa branca. No rosto, ela usa uma máscara cirúrgica e óculos de grau.

Segundo a depor como testemunha de defesa na audiência, o delegado Flavio Ferreira Rodrigues , que comandou as investigações, afirmou que o depoimento do filho biológico de Cintia Mariano foi determinante. Rodrigues também reafirmou que o motivo do crime seria ciúmes e questionou o não envio do corpo de Fernanda ao IML:

"Ele afirmou em depoimento que ela teria assumido a autoria do crime. O próprio filho biológico fala isso, “minha mãe confessou o crime”. Nós consideramos muito robusto e impactante esse depoimento. Um cadáver não é levado ao IML só em causa de morte violenta, mas quando há suspeita. E havia suspeita. Houve uma divergência entre dois médicos. Existe outro inquérito para apurar a conduta da médica que atestou a morte por causa natural. Ela (Maria Cecilia, médica que atendeu o caso) está sendo denunciada por falso testemunho", afirmou o delegado.

Mãe: 'Ela me oferecia feijão fresco'
Em depoimento na audiência, Jane Carvalho relembrou o fato ocorrido com o filho mais novo, acrescentando que acredita que Cintia teria a intenção de a envenenar também, uma vez que oferecia constantemente quentinhas e feijão fresco.

"Ela me oferecia comida com frequência, em quentinhas, inclusive o feijão fresco. O Bruno sempre foi muito desconfiado dessa senhora. Ele passou muitos transtornos enquanto convivia com ela. Com a morte da Fernanda, após o almoço na casa dela, ele ficou muito nervoso, mandou uma mensagem pra mim dizendo que tinha acontecido algo muito estranho. Na hora do almoço ele sentiu a comida amarga a ponto de ver as pedrinhas azuis. E aí quando ele fala com ela, relatando que a comida estava amarga, ela fica muito nervosa, tira o prato da mão dele, apaga a luz e coloca mais feijão. Nisso ele volta pra casa. Falou “mãe, aconteceu algo muito estranho. E relatou tudo isso. Ele me falou “o que eu faço pra vomitar?” Fomos ao banheiro e ele tentou vomitar. Pouco tempo depois ele começou com tontura, suadouro, gosma e enrolando a língua. Fomos na correria pro hospital. Os médicos conseguiram ver a olho nu os fragmentos. Eu tive certeza de que eles estava sendo vítima de envenenamento",  disse Jane, que completou:

"Meu filho eu consegui socorrer, a minha filha não. Segundo relato dela própria (Cintia) ela inventou de dar um banho na minha filha. Acredito eu que pra ganhar tempo do veneno fazer efeito, o chumbinho. Minha filha era uma menina de luz, acredito que ela fez tudo por ganância", relatou a mãe.

Apelo
Mais cedo em suas redes socais, Jane Carvalho fez uma transmissão ao vivo pedindo apoio:

"Ela tirou a vida da minha filha da forma mais cruel, da forma mais pecadora, pelo prato sagrado, pelo feijão. Independente da classe social, é o nosso pão de cada dia, é o que Deus nos deu. Ela quis brincar de Deus", disse Jane Carvalho em uma live pelo Instagram. "Que ela seja punida e pague tudo em dobro pela vida da minha filha e do meu filho, ela não mostra nenhum arrependimento, não se mostra tendo misericórdia. Ela é simplesmente ruim e tem o prazer de ser má."

Cíntia é acusada de envenenar os enteados Bruno e Fernanda Cabral – ele, de 16 anos, sobreviveu à tentativa de homicídio qualificado ocorrida em maio, mas a irmã, então com 22 anos, morreu em 28 de março, após ficar 13 dias internada.

"Hoje vai se iniciar uma linda corrente para nós. Clamarmos por justiça, para que a gente consiga pôr essa mulher, a Cintia Mariano, enjaulada de uma vez por todas. Eu venho aqui clamar, com vocês e todo o Brasil, por justiça, por Fernanda e Bruno."

Com uma camiseta com a foto do filho estampada e os dizeres "Justiça para Fernanda e Bruno", Jane reforçou que Cíntia não tinha motivos para ter qualquer desavença com Fernanda.

"Lembrando que não tenho nenhuma intenção de vingança, quero apenas que ela pague por tudo que ela fez, por ter tirado a vida brilhante da minha filha que tinha apenas 22 anos. É mais que justo que ela pague por todos os anos que ela tirou da minha filha viver. Fernanda era linda, cheia de luz e transbordava amor", disse.

Relembre o caso
Suspeita de tentar matar os dois enteados, Cíntia Mariano Dias Cabral, de 48 anos, foi presa preventivamente em maio. De acordo com investigações da 33ª DP (Realengo), o enteado de Cíntia, um estudante de 16 anos deu entrada, na tarde de 15 de maio, no Hospital Municipal Albert Schweitzer, com tonteira, língua enrolada, babando e com coloração da pele branca após comer um prato de feijão feito e servido pela madrasta, que mantinha um relacionamento conjugal com seu pai há cerca de seis anos.

A família mora em Realengo, na Zona Oeste do Rio. A irmã do rapaz, a também estudante Fernanda Carvalho Cabral, de 22 anos, já havia sentido sintomas semelhantes após outra refeição e morrido na mesma unidade de saúde, 12 dias após ser internada, em 15 de março. Inicialmente, o caso foi tido como causa natural, mas depois do caso envolvendo o enteado, o suposto homicídio da jovem passou a ser apurado em outro inquérito da delegacia. A polícia acredita que Cíntia poderia ter agido por ciúmes dos filhos biológicos do marido.

A prisão temporária de Cíntia foi decretada no fim da tarde pela juíza Raphaela de Almeida Silva, da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio. Na decisão, a magistrada destacou que o envenenamento de Bruno ocorreu há poucos dias, estando a vítima ainda hospitalizada, e que os “elementos contidos” no inquérito indicam que a liberdade da madrasta certamente “poderá causar prejuízos irreparáveis para o prosseguimento das investigações policiais". A juíza continua: "Isso porque poderá exercer pressão sobre as testemunhas, levando em conta que os presentes na residência no momento do crime são familiares, filhos inclusive da suspeita”.