Justiça

Cármen Lúcia, do STF, pede que PF detalhe investigação de Bolsonaro em inquérito de Milton Ribeiro

Em decisão, ministra cita que provas apresentadas pela Polícia Federal indicam 'possibilidade real e concreta' do envolvimento do presidente

Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal - Marcelo Camargo / Agência Brasil

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Polícia Federal definir como pretende apurar a "eventual participação" do presidente Jair Bolsonaro por suspeita de atuar numa investigação que resultou na prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. Para a magistrada, interceptações telefônicas feitas pela PF com autorização judicial indicam a "possibilidade real e concreta de eventual participação do Presidente da República" no caso e que é preciso "comprovar, de forma taxativa e definitiva, a sua ocorrência, as circunstâncias e os desdobramentos".

Alvo de uma investigação de suspeita de corrupção no ministério da Educação, Milton Ribeiro foi preso no dia 22 de junho deste ano. Durante as investigações, algumas chamadas telefônicas realizadas pelo ex-integrante do governo e seus familiares foram interceptadas com autorização judicial. Numa delas, efetuada no dia 9 de junho, Ribeiro conta para a sua filha que conversou com Bolsonaro e que o presidente "acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa". Na segunda ligação, feita em 22 de junho, a mulher do ex-ministro diz a um interlocutor que Milton recebeu "rumores do alto".

"Também evidencia-se, nos autos, que somente após a demonstração de fatos novos, consistentes na conversa do dia 22 de junho de 2022, que confirma a conversa do dia 9 de junho de 2022, pode-se concluir pela possibilidade real e concreta de eventual participação do Presidente da República em atos relacionados ao que se apura neste inquérito, o que, sublinhe-se, ainda depende de aprofundamento das investigações para comprovar, de forma taxativa e definitiva, a sua ocorrência, as circunstâncias e os desdobramentos", escreveu a ministra.

Com base nisso, Cármen determinou que o delegado da PF Bruno Calandrini, responsável pelo inquérito, defina "a linha investigativa a ser seguida quanto ao Presidente da República e aos demais investigados e as diligências necessárias a serem requeridas, apreciadas, e se for o caso, realizadas". A decisão da ministra foi proferida no dia 21 de setembro e enviada na semana passada à PF. O caso está sob sigilo.

"Considerando os dados processuais descritos e em face dos elementos indiciários de prova constantes dos autos, que indicam a possibilidade de envolvimento do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro nos fatos em apuração, com a adoção de práticas que, se comprovadas, configuram infração penal, determino a continuidade das investigações neste Supremo Tribunal Federal, ao menos até que a eventual participação ou não do Presidente da República seja apurada", escreveu Cármen, alertando que nenhuma diligência sobre o presidente da República deveria ser feita sem a autorização do STF.

Ao ser consultada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o desmembramento de parte da investigação para a primeira instância para que permanecesse no STF somente a apuração relacionada a eventuais suspeitas envolvendo Jair Bolsonaro. A ministra, entretanto, rejeitou. "A separação de autos, neste caso, pode causar prejuízo relevante para a investigação, pois as condutas atribuídas à autoridade com prerrogativa de foro (Presidente da República) e ao investigado Milton Ribeiro estão direta e objetivamente ligadas", escreveu a ministra.

Em entrevista ao site "Antagonista", o ex-ministro da Educação disse que mentiu para a filha ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro havia alertado sobre uma operação da PF em sua casa.

"Eu queria de alguma maneira prepará-las (a filha e a sogra) para uma possível entrada, vinda ou pedido de uma intervenção policial em casa, busca e apreensão, como de fato aconteceu. Então, se eu cometi um erro nesse episódio, esse foi o meu erro. Alguns advogados me disseram que seria possível acontecer isso. Se o presidente houvesse me ligado, eu nem estaria na casa (no momento da prisão), fecharia tudo e iria para o interior, para outro lugar. Se ele me desse uma informação tão precisa... Eu não recebi ligação nenhuma do presidente, falei isso para dar a elas (filha e sogra) um caráter mais de seriedade e prepará-las — afirmou Ribeiro.

Após a prisão de Milton, Bolsonaro não fez comentários sobre as interceptações telefônicas que lhe citavam. Em uma das declarações, disse que a prisão do ex-ministro "é um sinal de que eu não interfiro na PF". Em uma outra entrevista, saiu em defesa do aliado.

"Deixo claro, vocês já divulgaram aí que o Ministério Público foi contra a prisão do Milton. Não tinha indícios mínimos ali de corrupção por parte dele. No meu entender, ele foi preso injustamente".

Indícios verossímeis

Após a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, o caso foi enviado pela Justiça Federal à ministra Cármen Lúcia para analisar a interceptação telefônica que faz referência ao presidente Jair Bolsonaro, que tem prerrogativa de foro no STF.

Quando enviou o inquérito para o Supremo, o delegado Bruno Calandrini escreveu que "os indícios de vazamento são verossímeis e necessitam de aprofundamento diante da gravidade do fato aqui investigado". Já o Ministério Público Federal na primeira instância disse que identificou "possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações".

No diálogo que motivou o envio da investigação ao Supremo, Milton Ribeiro telefonou para sua filha treze dias antes de ser alvo da PF e disse:

"Hoje o presidente me ligou. Ele tá com pressentimento novamente de que eles podem querer atingi-lo através de mim. É que eu tenho mandado versículos pra ele né. (...) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa... Bom, isso pode acontecer né, se houver indícios".

Para o Ministério Público Federal e para a PF, o diálogo indica suspeitas de vazamento da operação por parte do presidente da República para o ex-ministro, que era o principal alvo das investigações.

O inquérito foi instaurado pela PF para apurar um suposto esquema de corrupção no Ministério da Educação. De acordo com relatos de prefeitos, dois pastores lobistas tinham trânsito junto a Milton Ribeiro e intermediavam a liberação de verbas da pasta em troca da cobrança de propina. O caso segue em apuração.