PARALISAÇÃO

Greve geral paralisa a França nesta terça-feira (18)

Trabalhadores pedem aumento de salário para aliviar impacto do aumento da inflação

Dia de greve geral na França, com os setores de transporte, energia e outros trabalhadores-chave exigindo um aumento salarial - Frederick Florin / AFP

A França enfrenta nesta terça-feira (18) um dia de greve geral, com os setores de transporte, energia e outros trabalhadores-chave exigindo um aumento salarial que alivie o impacto da alta da inflação, além de denunciar a resposta do governo à greve dos petroleiros que já dura mais de três semanas.

Os principais reflexos são sentidos nos transportes. Os franceses enfrentam interrupções nas viagens em trens e ônibus regionais, enquanto alguns serviços do Eurostar entre Paris e Londres foram cancelados. O sindicato da CGT também pediu aos trabalhadores portuários que mantenham paralisações durante todo o dia.

Pela manhã, na Gare de Lyon parisiense, os franceses se armaram de paciência para pegar o trem suburbano.

"Normalmente demoro uma hora e meia. Hoje tenho duas ou três pela frente" disse Yera Diallo.

Em Toulouse, no sul do país, Frédéric Mercier Hadisyde, um engenheiro de 58 anos, chegou duas horas mais cedo do que o habitual para pegar o trem para Paris.

"Fiquei com medo de que houvesse distúrbios, então me organizei. Eu simpatizo com eles, eu os entendo" confessou.

Além dos trabalhadores dos transportes e do setor de energia, estudantes profissionais do ensino médio, funcionários públicos e lojistas foram convocados pelo sindicato da CGT e outros três para defender o direito à greve e exigir aumento salarial. A paralisação geral ocorre após bloqueios de semanas em refinarias e depósitos de combustível que levaram à escassez em quase um terço dos postos de gasolina do país

"Pedimos um salário mínimo de € 2.000 (US$ 1.970), o que equivale a um aumento de € 300 (US$ 295)" disse o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, na rádio RTL, que defende também o ajuste do restante dos salários à inflação.

Os oito sindicatos e organizações estudantis que convocaram a greve também se opõem à decisão do governo de forçar o retorno ao trabalho de alguns funcionários de unidades das grandes petrolíferas TotalEnergies SE e ExxonMobil Corp.

Mas o clima social é tenso. O medo de perder poder aquisitivo foi a principal preocupação dos franceses durante o último ciclo eleitoral de abril a junho e o apelo para economizar energia para evitar apagões no inverno torna o clima ainda mais pesado.

Quando a França começou a virar a página da pandemia, a Rússia lançou uma ofensiva na Ucrânia que, juntamente com a resposta de Moscou às sanções ocidentais, fez disparar os preços da energia e dos alimentos para residências e empresas.

A inflação superior a 6% e os lucros recordes das empresas petrolíferas após a invasão da Ucrânia pela Rússia impulsionaram o apoio à greve em meio ao aumento da ansiedade econômica, com uma pesquisa divulgada no domingo pelo Ifop para o Le Journal du Dimanche mostrando que 82% dos entrevistados pensavam que Macron não estava fazendo o suficiente para combater a alta dos preços ao consumidor.

Macron gastou mais de € 100 bilhões (US$ 97,6 bilhões) em medidas para proteger famílias e empresas da crise de energia, e as primeiras medidas para limitar os preços da eletricidade e do gás antes da guerra na Ucrânia ajudaram a manter a taxa de inflação do país abaixo dos países vizinhos da União Europeia.

A França, segunda maior economia da UE, registrou em setembro a menor taxa de inflação da zona do euro, 6,2%, abaixo de outras economias como Alemanha (10,9%), Itália (9,5%) e Espanha (9,3%) %), segundo o Eurostat.

Gota d'água
Mas a gota d'água para os sindicatos foi o fato de o governo requisitar grevistas, principalmente da Total, para aliviar a escassez de combustível, que afetou quase um terço dos postos de gasolina na França por dias.

Além do aumento salarial, os grevistas pedem uma melhor distribuição dos lucros obtidos pela gigante da energia - mais de US$ 10 bilhões no primeiro semestre de 2022 -, uma medida que mais da metade dos franceses apoia.

Ao se recusar a tributar esses "superlucros" em nível nacional, Macron colocou o governo "no campo dos grandes patrões, em total desconexão com grande parte dos franceses que sofrem com a inflação todos os dias", segundo um editorial em o jornal Libération.

Embora o ministro do Interior, Gérald Darmanin, tenha assegurado nesta terça-feira que parte dos salários deve ser aumentado, o governo liberal recusa-se a legislar sobre a matéria, deixando qualquer reavaliação nas mãos das empresas.

As paralisações desta terça-feira se somam a uma lista de desafios para Macron, que perdeu sua maioria absoluta na câmara baixa do Parlamento nas eleições de junho e cujo governo parece lutar para obter apoio suficiente para aprovar seu projeto de orçamento para o próximo ano.

O executivo prepara-se para recorrer a um polêmico decreto parlamentar, denominado 49.3, para aprovar o orçamento para 2023 sem a necessária votação da Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados), que o debate neste momento.

Macron busca assim evitar as emendas adotadas pelos deputados contra a opinião de seu governo, como o aumento do imposto sobre “superdividendos”. O porta-voz do executivo, Olivier Véran, anunciou que poderia ativar este procedimento já na quarta-feira.

Com essa medida, o presidente corre o risco de reforçar sua imagem "autoritária", apesar de ter prometido mudar após sua reeleição em abril, e tensionar ainda mais o ambiente antes da chegada da explosiva reforma previdenciária no início de 2023.

A mudança da idade de aposentadoria de 62 para 65 anos que Macron quer adotar para se aproximar da maioria dos países da UE colide com a oposição frontal dos sindicatos, incluindo o reformista CFDT, e também da esquerda e da extrema direita.

Sua primeira tentativa de aprovar a mudança em 2019 e 2020 também gerou protestos em massa nas ruas, mas o líder de 44 anos, que fez dessa reforma um de seus cavalos de batalha, chegou a ameaçar dissolver a Assembleia e convocar novas eleições, caso não a reforma previdenciária não fosse aprovada.

Alimentando tensões
O risco para o presidente é que o descontentamento se espalhe para outros setores. Para os sindicatos e a esquerda, as paralisações desta terça-feira servirão como um teste para saber se podem convencer mais pessoas a aderir ao movimento.

Pesquisas recentes sugerem que a opinião pública está polarizada entre aqueles que apoiam os grevistas das refinarias e aqueles que não o fazem. Em um país onde dois terços dos trabalhadores utilizam seus próprios carros para se dirigirem para o trabalho, poder abastecer seus veículos também é fundamental.

Debates parlamentares sobre o projeto de lei orçamentária podem alimentar tensões. A Assembleia Nacional, incluindo alguns dos apoiadores de Macron, aprovou emendas que o governo considerou anti-negócios, mas que refletem a crescente pressão para pedir às empresas que contribuam mais.

Em 2018, a presidência de Macron foi abalada pelos protestos dos Coletes Amarelos, que foram desencadeados por um aumento de impostos sobre o combustível e se transformaram em um descontentamento mais amplo em torno da igualdade econômica e na rejeição do estilo de governo do presidente liberal. Pressionado pelo protesto social dos "coletes amarelos", o governo de Macron aprovou rapidamente medidas para limitar a alta dos preços da energia.