Milhares de pessoas pedem aumento salarial em dia de greve na França
de acordo com o Ministério do Interior, cerca de 300 mil pessoas participaram de protestos em várias cidades
"Se não paramos, não nos escutam". Milhares de pessoas protestaram na França nesta terça-feira (18), um dia de greve especialmente visível nos transportes, para reivindicar um aumento salarial, de modo a compensar a inflação, e denunciar a resposta do governo à paralisação nas refinarias.
Na parte da manhã, na Gare de Lyon parisiense, os franceses se armaram de paciência para pegar o trem. "Normalmente levo uma hora e meia. Hoje terei duas ou três pela frente", disse Yera Diallo à AFP.
O auxiliar de enfermagem Frédéric Mercier Hadisyde participou da marcha em Paris. "Temos que resistir. Todos os direitos estão sendo atacados. Se não fizermos nada, não conseguiremos nada", disse à AFP.
Mais investimentos em escolas, hospitais e previdência social, abandono das reformas do seguro-desemprego e do mudança da aposentadoria de 62 para 65 anos, reajustes salariais ... As demandas não faltam.
A gota d'água para quatro sindicatos e várias associações foi, porém, que o governo convocou funcionários em greve nas refinarias para aliviar a escassez de combustível por semanas.
Valérie, funcionária pública de 54 anos e membro da central sindical CGT, protesta "em solidariedade aos trabalhadores das petroleiras". "Se as pessoas são requisitadas, onde está o direito de greve?", questionou.
Quase 300 mil pessoas, segundo a CGT, e 107 mil, de acordo com o Ministério do Interior, participaram dos protestos em várias cidades. Em Paris, houve distúrbios, e 11 pessoas foram detidas.
Estudantes, funcionários públicos, comerciantes, trabalhadores do setor de energia e dos transportes, entre outros, foram convocados para defender o direito à greve e exigir aumento salarial.
A paralisação, três dias antes de duas semanas de férias escolares, teve, porém, uma adesão desigual. O serviço de trens na região de Paris foi especialmente afetado.
"Salário de 2.000 euros"
A greve que, de acordo com uma pesquisa da Elabe, é desaprovada por 49% dos franceses, chega em um contexto social tenso e anuncia um outono e inverno quentes para o impulso reformista do presidente Emmanuel Macron.
O medo de perder poder aquisitivo foi a principal preocupação dos franceses durante o último ciclo eleitoral de abril a junho, e o apelo para economizar energia para evitar apagões no inverno (verão no Brasil) torna o ambiente ainda mais hostil.
Quando a França começava a virar a página da pandemia da covid-19, a Rússia invadiu a Ucrânia, o que, junto com a resposta de Moscou às sanções ocidentais, fez disparar os preços da energia e dos alimentos.
Com a experiência do protesto social dos "coletes amarelos", cujo gatilho em 2018 foi o aumento dos preços dos combustíveis, o governo do liberal Macron aprovou rapidamente medidas para limitar a alta dos preços da energia.
Segunda maior economia da União Europeia (UE), a França registrou em setembro a menor taxa de inflação harmonizada da zona do euro, 6,2%, abaixo de outras economias como Alemanha (10,9%), Itália (9,5%) e Espanha (9,3%), conforme o Eurostat.
"Pedimos um salário mínimo de 2.000 euros (US$ 1.970), o que equivale a um aumento de 300 euros (US$ 295)", disse o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, na rádio RTL, defendendo ainda um reajuste de acordo com a inflação.
A demanda por um aumento de 10% motivou a greve da gigante energética TotalEnergies, iniciada no final de setembro e que causou, junto com a já cancelada greve da concorrente Esso-ExxonMobil, uma escassez de combustível.
A primeira-ministra da França, Élisabeth Borne, garantiu à Assembleia Nacional que menos de 25% dos postos de abastecimento continuam a ter problemas, contra 30% no fim de semana, e pediu o fim da greve.
O gestor da rede elétrica RTE advertiu que se a paralisação, que afeta parte das usinas nucleares, continuar, pode comprometer o abastecimento, às vésperas do inverno boreal.
"Superlucros"
Os grevistas da TotalEnergies rejeitam o acordo alcançado, com uma maioria sindical, de um aumento de 7% em 2023. O percentual foi considerado insuficiente, já que a empresa obteve mais de US$ 10 bilhões de lucro no primeiro semestre de 2022.
O diretor-geral da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, justificou o faturamento de de 5,9 milhões de euros em 2021 como o "menos elevado" dos gigantes europeus e que progrediu quase 52% após uma redução drástica durante a pandemia.
Ao se recusar a tributar esses "superlucros" em nível nacional, Macron colocou o governo "no campo dos grandes patrões, em total desconexão com grande parte dos franceses que sofrem com a inflação todos os dias", critica um editorial do jornal Libération.
O Executivo se dispõe até mesmo a recorrer a um polêmico método parlamentar - "provavelmente" nesta quarta-feira (19), segundo seu porta-voz - para evitar uma alta do imposto sobre os "superdividendos" das grandes empresas.
Ao ativar o método do 49.3, o governo poderia aprovar seu projeto inicial de orçamento para 2023 sem a necessária votação da Assembleia Nacional (câmara baixa), cujos deputados incluíram esta proposta no debate parlamentar em curso.
Com esse movimento, porém, o presidente corre o risco de reforçar sua imagem de "autoritário" e tensionar ainda mais o ambiente antes da explosiva reforma previdenciária no início de 2023.
O atraso na idade de aposentadoria de 62 para 65 anos que Macron deseja implementar enfrenta a oposição direta dos sindicatos, incluindo o reformista CFDT, e a oposição da esquerda e da extrema direita.
Suas primeiras tentativas em 2019 e 2020 também geraram protestos em massa nas ruas. Agora, o presidente francês, que fez dessa reforma um de seus cavalos de batalha, ameaça, inclusive, dissolver a Assembleia, onde tem maioria simples, se não for aprovada.