Irã

Atleta que competiu sem o hijab é recebida com aplausos no Irã

Gesto em solidariedade ao movimento de protestos pela morte de Mahsa Amini, jovem detida em Teerã pela polícia da moral

Escaladora iraniana Elnaz Rekabi - RHEA KANG / INTERNATIONAL FEDERATION OF SPORT CLIMBING / AFP

A escaladora iraniana Elnaz Rekabi, que competiu sem o hijab (véu) em um torneio na Coreia do Sul, retornou nesta quarta-feira (19) a Teerã, onde foi recebida com aplausos por uma multidão no aeroporto. 

Rekabi competiu com a cabeça descoberta, utilizando apenas uma faixa no cabelo em um campeonato em Seul no domingo.

O gesto foi interpretado por alguns como uma demonstração de solidariedade ao movimento de protestos que abala o Irã há um mês, após a morte de Mahsa Amini, uma jovem detida em Teerã pela polícia da moral porque seu véu supostamente permitia observar alguns fios de cabelo. 

A República Islâmica exige que as atletas iranianas utilizem o véu inclusive nas competições no exterior. 

Rekabi, 33 anos, desembarcou no aeroporto internacional Imã Khomeini nesta quarta-feira, de acordo com um vídeo divulgado pela agência estatal IRNA.

"Uma heroína"
Dezenas de pessoas se reuniram para recebê-la. Rekabi foi muito aplaudida, segundo as imagens divulgadas na internet pelo jornal reformista Shargh.

"O mundo e o povo iraniano estarão observando como tratam Elnaz Rekabi", disse o porta-voz do departamento de Estado dos Estados Unidos, Vedant Patel, acrescentando que havia "informações segundo as quais a atleta tinha sido alvo de ameaça e intimidação".

"Elnaz é uma heroína", gritaram os manifestantes.

A escaladora estava com um capuz e um boné de beisebol. Ela foi recebida por sua família e depois conversou com a imprensa estatal. 

Devido ao ambiente que existia durante a final da competição e ao fato de que fui chamada de maneira inesperada para iniciar a escalada, eu me confundi com meu equipamento técnico e isto me levou a esquecer o hijab, disse.

"Retorno ao Irã em paz, em perfeita saúde e de acordo com meus planos. Peço desculpas ao povo do Irã por causa das tensões criadas", acrescentou, antes de afirmar que não tem a intenção de abandonar a seleção nacional.

A multidão, que incluía mulheres sem véu, cercou o veículo no qual a atleta deixou o aeroporto, mais uma vez sob aplausos. 

"Uma recepção digna de de uma heroína, incluindo mulheres sem o véu obrigatório, do lado de fora do aeroporto de Teerã para a atleta Elnaz Rekabi. Persistem as preocupações com sua segurança, afirmou a ONG Centro para os Direitos Humanos no Irã (CHRI), que tem sede em Nova York.

Propaganda estatal?
Os comentários feitos pela atleta confirmam uma mensagem publicada na terça-feira em sua conta no Instagram, na qual ela pediu desculpas por "qualquer preocupação" que pode ter provocado e afirmou que a decisão de retirar o véu "não foi intencional", e sim porque foi chamada para competir antes do previsto.

A República Islâmica é acusada por ativistas de pressionar as pessoas a apresentarem declarações de contrição na televisão e nas redes sociais.

Os observadores "não devem ser influenciados pela propaganda estatal", alertou o CHRI.

Grupos de defesa dos direitos humanos expressaram preocupação com a atleta depois que vários amigos denunciaram que não conseguiram entrar em contato com Rekabi. 

Em um comunicado enviado à AFP, a embaixada iraniana em Seul negou "qualquer informação falsa e desinformação" sobre a situação da atleta. 

Na primeira fase da competição, a atleta estava com uma bandana, mas na escalada principal estava com o cabelo descoberto.

O gesto coincide com os protestos após a morte de Amini, de 22 anos, nos quais várias mulheres retiram os véus nas ruas, universidades e escolas do país. 

A violência nas ruas provocaram dezenas de mortes, a maioria de manifestantes, mas também há vítimas fatais entre os integrantes das forças de segurança, e centenas de detidos.

A porta-voz do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Ravina, Shamdasani, afirmou que a ONU "acompanhará de perto" o caso.

O Irã acusa os EUA de estarem por trás dos protestos e as autoridades estudam a possibilidade de "criminalizar" a venda de redes virtuais privadas (VPN), utilizadas para driblar as restrições impostas no acesso à internet pelos governantes para tentar limitar as manifestações.