Dias Gomes: autor que revolucionou as novelas brasileiras completaria 100 anos
O dramaturgo escreveu clássicos da TV, como "Roque Santeiro" e "O Bem Amado"
Sinhozinho Malta, Odorico Paraguaçu e João Gibão são alguns dos tantos personagens icônicos criados por Dias Gomes e que até hoje seguem no imaginário do povo brasileiro. O autor de livros, peças teatrais e telenovelas, que revolucionou a forma de escrever para a televisão, teria completado 100 anos no último dia 19, com uma obra que ainda dialoga - e muito - com a realidade social e política do Brasil.
Nascido em Salvador, na Bahia, Alfredo de Freitas Dias Gomes morreu aos 77 anos, vítima de um acidente de carro, em São Paulo. A partida trágica, no entanto, não foi capaz de apagar o seu legado, iniciado quando o dramaturgo tinha apenas 15 anos e escreveu sua primeira peça teatral. “A comédia dos moralistas” venceu o Concurso do Serviço Nacional de Teatro em 1939, mas foi somente em 1942, com “Pé de cabra”, que o autor abraçaria profissionalmente o teatro.
O encontro de Dias Gomes com a linguagem televisiva ocorreu em 1969, quando ele foi contratado pela TV Globo. Naquela época, o dramaturgo já era um nome de prestígio no teatro e havia passado por grandes emissoras de rádio. Em depoimento concedido ao Museu da Televisão Brasileira, em 1998, o autor explicou sua entrada no mundo das novelas, o que era visto com certo desdém por parte dos intelectuais da época.
“Quase todas as minhas peças estavam proibidas. Então, estava quase impossível sobreviver escrevendo unicamente para teatro. Foi nessa ocasião que a Globo me chamou para fazer telenovelas”, relembrou Dias, que estreou na emissora com o pseudônimo de Stela Calderón, substituindo a cubana Glória Magadan na escrita de “A Ponte dos Suspiros”.
Retrato da realidade brasileira
“Até então, a teledramaturgia que se fazia na Globo era completamente alienada. Glória Magadan não admitia que se fizesse uma novela que se passasse no Brasil, com personagens brasileiros. Com a saída dela e a minha ida para a emissora foi que se iniciou realmente a teledramaturgia brasileira lá”, contou o escritor, durante a mesma entrevista.
Assim como sua primeira esposa, Janete Clair, Dias Gomes foi um dos autores que ajudou a revolucionar a forma de fazer telenovelas no Brasil. O retrato da realidade nacional, tão presente nos seus textos teatrais, permaneceu impresso nas obras para a TV. Seus programas de maior sucesso, aliás, foram adaptações de peças teatrais.
“O Bem Amado” foi transposta dos palcos para a telinha em 1973, fazendo história. Foi a primeira novela transmitida a cores no País. Já o sucesso internacional “Roque Santeiro” é uma adaptação de “O Berço do Herói”, espetáculo censurado em sua estreia, em 1965. O cerco da ditadura militar à história se repetiu na TV. Com cerca de 30 capítulos já gravados, a primeira versão da novela, de 1965, teve sua exibição impedida, indo ao ar somente dez anos depois, com regravações e outro elenco.
Outro espetáculo de Dias Gomes, “O Pagador de Promessas”, virou minissérie em 1988. Antes disso, ganhou uma icônica versão para o cinema, dirigida por Anselmo Duarte, em 1962. O longa-metragem foi o único brasileiro a vencer a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, e o primeiro da América do Sul a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
O realismo fantástico de Dias Gomes
Entre políticos corruptos, religiosos moralistas e pobres oprimidos, as obras de Dias Gomes também sediam espaço para seres permeados pela fantasia. Em “Saramandaia”, novela de 1976 com remake em 2013, esse realismo fantástico transbordou, dando vida a personagens como Dona Redonda, que come até explodir, ou João Gibão, que possui um par de asas nas costas
“Se nessas histórias a realidade e o absurdo se entrelaçam, é porque, no Brasil, o fantástico é lugar-comum. Já disse que o Brasil é o país que desmoraliza o absurdo, porque o absurdo acontece. E não é possível entender e espelhar a nossa realidade dentro das regras do realismo puro”, apontou o autor, em entrevista ao Suplemento Literário de Minas Gerais, em 1982.
Exposição
Para celebrar os 100 anos do dramaturgo, o Itaú Cultural, em São Paulo, montou a “Ocupação Dias Gomes”. A mostra, que permanece em cartaz até 15 de janeiro de 2023, reúne cerca de 170 itens e é dividida em oito núcleos. Com fotos, vídeos, textos de obras e cartas, a exposição revela as várias faces do homenageado e de suas criações. As visitas podem ser feitas de terça-feira a sábado, das 11h às 20h, e nos domingos e feriados, das 11h às 19h.