Rio de Janeiro

'É absurdo que um médico faça isso com uma paciente', diz marido de vítima de assédio

Cirurgião plástico, que tem consultório na Barra da Tijuca, prestou depoimento nesta quinta-feira na Deam de Jacarepaguá

Delegacia de Atendimento à Mulher - Reprodução

O marido da paciente que denunciou o cirurgião plástico José Ricardo Simões, de 64 anos, de assédio dentro de um consultório na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, demonstrou indignação com o caso. Ele também foi ouvido na Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, quando a vítima registrou a ocorrência. Em entrevista ao GLOBO, ele contou como orientou a esposa a fazer as gravações de áudio da terceira e última consulta que a paciente teve com o cirurgião. Foi nessa ocasião que o médico foi flagrado dizendo à paciente que gosta de se masturbar enquanto olha uma mulher. Nem o médico nem seu advogado se pronunciaram sobre o caso.

Eduarda* (nome fictício) procurou o cirurgião plástico por indicação de uma amiga e tinha a intenção de fazer procedimentos estéticos, que seriam seu presente de aniversário. Logo na primeira consulta, ela relatou se sentir constrangida com a forma de abordagem do médico.

Foi uma consulta inusitada, parecia uma conversa de botequim pela informalidade. Ele chegou a dizer que eu era muito “milf” (gíria em inglês que significa “mãe com quem eu gostaria de transar”). Eu nem sabia o que era e fui pesquisar, disse a vítima.

Na segunda vez, a paciente relata que as investidas ficaram mais explícitas.

"Ele intercalava falas sobre a cirurgia com insinuações como “Nossa, você é uma delícia”, “Você é casada?”, “Você tem uma cara de safadinha”, relembra a vítima. "Eu, querendo fazer a cirurgia e não querendo dar um fora nele, desconversava, levava na brincadeira ou respondia mais séria: “Não, doutor”. Quando eu falava assim, ele parava e voltava à consulta. Mas passava um pouco e ele voltava a se insinuar para mim. Chegou a dizer: “Se você quiser, eu faço até outras coisinhas”.

Ao chegar em casa, depois da primeira consulta com o cirurgião, ela contou para o marido o que acontecera, e ele a orientou a fazer a gravação para denunciar o caso à polícia.

"Quando ela me contou, eu a orientei a gravar o áudio, mas ela ficou muito nervosa e não conseguiu. Quando ela me contou as coisas que ele falou na segunda visita, eu fiquei com muita raiva, queria ir ao consultório e acabar com ele. Mas a ensinei a gravar o áudio e orientei como ela deveria fazer na terceira consulta. Vamos entrar com um processo; já está com o advogado. Ele precisa parar de fazer isso com as mulheres. É absurdo que um médico faça isso com uma paciente. Imagina se ela estivesse sedada o que ele poderia fazer de pior?", diz o marido da vítima.

Posição desagradável
Um dos procedimentos que Eduarda pretendia fazer era o de preenchimento vaginal. Na terceira visita, a vítima relatou que o médico pediu que ela deitasse na maca e ficasse em posição ginecológica, de pernas abertas e, com o celular, fez fotos íntimas. Depois, ele pediu que ela ficasse sentada e repetiu as fotos.

"Eu fui em outros três cirurgiões para consultar sobre esse procedimento e nenhum tirou fotografia da minha vagina ou pediu para eu ficar nas posições que ele falou. Nem mesmo o médico que fez a minha cirurgia tirou essas fotos. Eu fiquei com muita vergonha."

Registro em áudio
A ocorrência foi registrada como importunação sexual, crime previsto no artigo 215-A do Código Penal. Na terceira consulta, que a vítima conseguiu registrar em gravação de áudio, José Ricardo, ao avaliar a paciente nua, pede para ela virar de costas e diz: “Que bunda, hein?”. Na sequência, exclama: “Você é gostosa”. Depois de perguntar o nome e o sobrenome dela, ele continua: “Eu vou te confessar: eu gosto mais de ver do que transar. Gosto mais de (usa uma expressão equivalente a se masturbar) olhando uma mulher do que transar”. Na gravação, há trechos inaudíveis, até que ele afirma: “Aquele dia que você veio aqui, de sainha, achei um tesão”, se referindo à segunda consulta da paciente.

Ele insiste no assunto falando que outras mulheres se sentam em uma determinada cadeira do consultório para se masturbar, e questiona a paciente: “Você não gosta de fazer isso não? Não gosta de se mostrar?”. Cerca de dois minutos depois, também pergunta se ela “gosta de aventuras sexuais” e “aventuras fora do casamento”.

Segundo a Polícia Civil, testemunhas, a vítima e o suspeito foram ouvidos. O áudio apresentado pela paciente foi encaminhado para o Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), onde passa por perícia. A Deam solicita que possíveis outras vítimas do mesmo autor procurem a Polícia Civil para que os casos possam ser investigados. Agentes realizam diligências para esclarecer todos os fatos.

Na tarde desta sexta-feira, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj) informou que abriu sindicância para apurar o caso. As punições previstas vão desde advertência até cassação do registro profissional. A entidade informou ainda que “em caso de qualquer tipo de infração ética, o paciente deve realizar uma denúncia ao Cremerj, que irá apurar com todo o rigor, seguindo os ritos do Código de Processo Ético-Profissional”.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica informou que acompanha as denúncias e aguarda a apuração realizada pelas autoridades competentes. A SBPC esclareceu que “a competência para apreciar e julgar infrações éticas médicas é, única e exclusivamente, do Cremerj”.

O GLOBO procurou o cirurgião plástico José Ricardo Simões por e-mail, telefone e aplicativo de mensagens. Em um primeiro telefonema, ele informou que gostaria que seu advogado se pronunciasse sobre o caso, desligou em seguida e não retornou mais os contatos do GLOBO. O médico não informou o nome nem o contato do advogado que faz sua defesa.

Procurado, o Conselho Federal de Medicina não se manifestou.