ENTREVISTA

"Promessas do novo governo terão que ser encaixadas no Orçamento de 2023", diz Rodrigo Maia

Para deputado federal, emendas de relator não são impositivas, portanto há espaço para negociação

Rodrigo Maia (DEM) - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

O deputado federal Rodrigo Maia (PSDB-RJ), ex-presidente da Câmara, afirma que a criação das emendas de relator — um tipo de emenda parlamentar que deu corpo ao chamado orçamento secreto — foi a “reação final” do Congresso ao uso do Orçamento público pelo Poder Executivo como forma de barganha política. A distribuição dos recursos não é igualitária nem transparente, por isso o instrumento é usado como moeda de troca na negociação com parlamentares pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

Maia defende uma mudança nas normas de finanças públicas e a impositividade de todo o Orçamento (ou seja, o que for aprovado pelo Congresso precisa ser executado). Ele ressalta, no entanto, que as emendas de relator não são impositivas, portanto, podem ter sua execução negociada.
 

Por que o senhor defende a impositividade do Orçamento?
O Orçamento brasileiro, pelo menos das grandes democracias do mundo ocidental, é o único que não é impositivo. Isso por uma pressão histórica, tanto da política como dos quadros técnicos da economia. Os governos nunca compreenderam o papel do Parlamento no principal projeto de lei, que é exatamente a aprovação da proposta orçamentária, que é modificada pela Casa da sociedade brasileira. Desde a redemocratização, o Brasil tem um orçamento autorizativo e não impositivo. Então isso levou sempre a que o Poder Executivo usasse esse instrumento para barganhar com o Parlamento. O Parlamento não representa só a posição majoritária do país, representa toda a sociedade. Por isso que a impositividade do Orçamento é tão importante, porque ela é que traz para a peça orçamentária a voz da minoria, que nunca está no Executivo e só está no Legislativo. Nesse Orçamento é que toda a sociedade vai estar representada.

Mas hoje o Congresso tem um poder maior sobre o Orçamento...
O Parlamento sempre aprovou o Orçamento, e o Poder Executivo só executava quando de seu interesse. Isso gerou, num primeiro momento, num governo mais fraco politicamente, que foi o da Dilma Rousseff, a primeira impositividade, sobre as emendas individuais. No início do governo do presidente Bolsonaro, que teve muito conflito, o que de fato nós aprovamos foi exatamente a orientação constitucional para a regulamentação do Orçamento impositivo. Isso nunca foi regulado, então ainda não existe.

Logo depois disso o orçamento secreto ganhou corpo...
A emenda de relator foi uma reação final do Parlamento ao excesso de poder que o Poder Executivo quer impor. O novo governo deveria fazer, no meu ponto de vista, uma discussão sobre uma revisão total da peça orçamentária, da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e do PPA (Plano Plurianual).

Como isso pode ser feito?
O melhor exemplo para o Brasil é a Suécia, que nós entendemos, em um estudo na Câmara, como o modelo mais parecido hoje de Orçamento. Hoje aprova a LDO e o Orçamento. Gera uma despesa para o ano que vem e não projeta essa despesa para daqui a três, quatro anos. É necessário que a lei de diretrizes olhe o Orçamento do próximo ano e o Orçamento daqui a dois, três anos na frente. Porque na hora que gero uma despesa hoje, eu já preciso saber quais são as consequências no meu Orçamento no futuro, como é que isso vai impactar meus investimentos.

No primeiro ano com orçamento secreto o senhor ainda era presidente da Câmara…
No final de 2019, o governo encaminhou o RP9 (nome técnico para emenda de relator) por decisão própria, negociação deles com o Centrão. O poder de barganha para o Parlamento não pode nunca ser a execução ou não do Orçamento, mas a discussão de política pública. Não pode, como é hoje na emenda de relator, um deputado receber 50, e outro deputado receber cinco. Isso acaba, sem dúvida nenhuma, gerando uma distorção na relação dos Poderes e também na relação de cada parlamentar com o seu eleitor. É preciso ter capacidade de negociar com o Parlamento os projetos do ponto de vista do interesse público, não na barganha com a execução orçamentária. Como os governos usaram isso a vida inteira, a reação do Parlamento foi a emenda individual, a emenda de bancada e depois a emenda de relator.

Em 2023, são R$ 19,4 bilhões previstos para emenda de relator. Como ajustar isso no curto prazo?
O governo eleito fez muitas promessas e essas promessas vão ter que ser encaixadas no Orçamento. E o Parlamento vai ter que compreender isso. Lembrando que a emenda de relator não é impositiva. Eu acho que esse ainda continua sendo um instrumento de negociação do Poder Executivo com o Legislativo. O Legislativo pode aprovar e, pela limitação que tem de despesa discricionária (não obrigatória), o Executivo pode não executar no primeiro momento e ter tempo para negociar com o Legislativo de forma transparente uma nova lei.

O teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas, está superado?
O teto de gastos foi criado porque o Parlamento, representando a sociedade, não aceitava e não aceita a criação de novos impostos, como a CPMF. De fato, do jeito que ficou, o teto de gastos está impossível de administrar. Mas eu acho que vai ter que ter uma discussão profunda de uma revisão das despesas do governo federal. Para que a gente possa atender às demandas da sociedade que votou no presidente Lula, mas ao mesmo tempo garantir um equilíbrio fiscal e a confiança do investidor de médio e longo prazo. É inevitável que isso ocorra.