Política

Economia e desencanto com políticos podem encurtar 'lua de mel' de lula com a sociedade, diz Eurasia

Christopher Garman, diretor-executivo para Américas do Eurasia Group, avalia que há chance de perda de popularidade rápida como vizinhos da América Latina

Lula, presidente eleito do Brasil - NELSON ALMEIDA / AFP

Um cenário de desencanto da população com a classe política e com as instituições brasileiras e revolta com serviços públicos ruins pode levar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao mesmo caminho que seus pares de esquerda recém-eleitos na América Latina: perda de popularidade de forma muito rápida. A avaliação é de Christopher Garman, diretor-executivo para Américas do Eurasia Group, que participou nesta segunda feira de uma live promovida pela Bradesco Asset para discutir os desafios do próximo presidente.

"A lua de mel com os governos eleitos na América Latina tem sido mais curta que o normal. A popularidade de Gabriel Borić, que desde março governa o Chile, caiu de 50% desde a posse para 30% agora. A de Gustavo Petro, da Colômbia, que tomou posse em agosto, caiu de mais de 50% para próximo de 40% em três meses" disse Garman.

O especialista em política da Eurasia afirmou ainda que além desses fatores, no Brasil há uma base 'bolsonarista' que se sente roubada com o resultado das eleições. Ele lembra também que, embora a economia mostre sinais de recuperação, o que quase reelegeu o atual presidente jair Bolsonaro, a renda real dos brasileiros não cresceu. E, com a elevação da taxa de juros, a economia brasileira não deve decolar no próximo ano.

Garman estima que a taxa de popularidade de Lula, ao tomar posse, deve ficar entre 50% e 60%, mas em três ou quatro meses tende a cair para próximo de 40%. Por isso, para ele, a prioridade zero neste momento é a indicação de uma equipe econômica robusta e como esse time enxerga os gastos prioritários para o próximo ano.

"A situação é desconfortável. Será necessário a aprovação de um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) antes de janeiro para garantir os R$ 600 do Auxílio Brasil, além de acomodar recursos para aumento do salário mínimo, investimentos e outros programas sociais. O mercado está atento a isso e terá uma reação imediata", explica o especialista da Eurásia.

Se Lula enxergar que a situação é difícil, diz Garman, o presidente deverá ficar 'avesso ao risco' e evitar decisões que gerem desconforto. Lula já demonstrou em outros momentos-chave do país, em governos anteriores, que tende a evitar riscos em situações complicadas. Garman acredita que Lula será sensível às reações do mercado financeiro e vai querer 'ancorar as expectativas'.

Para Garman, as novas regras do teto de gastos só devem sair depois do Carnaval, já que a proposta terá que ser elaborada pelos nomes técnicos da pasta da economia, que ainda nem foram nomeados. Será um processo que terá a participação do Congresso e vai provocar mudanças também dependendo das reações da sociedade e do mercado, que tem a expectativa que a trajetória de crescimento da dívida pública, no longo prazo, seja equacionada.

Para ele, no segundo semestre, o governo poderá encaminhar uma reforma tributária, que deve ser o marco mais relevante para a economia brasileira. A sinalização que vem sendo dada pelo PT é que o objetivo é buscar uma reforma que simplifique o sistema tributário brasileiro, com a unificação de impostos federais em um único imposto o (IVA). Também deverá ser discutida a taxação de dividendos e de juros sobre capital próprio, imposto sobre herança e sobre fortunas.

"Esse vai ser o debate mais espinhoso no Congresso, que tem um perfil mais conservador. Acredito que o Congresso não será contrário ao aumento de gastos, mas será contrário ao aumento de carga tributária, que já é elevada no brasil e deve provocar reações", analisa Garman.

O especialista avalia que uma reforma administrativa tende a ser mais modesta, reduzindo os ganhos de quem entra no serviço público e colocando um teto para os ganhos dos funcionários públicos com renda mais elevada. Garman não acredita que será colocado em prática o fim da estabilidade.

Garman avalia que a questão ambiental será um dos principais focos desse governo, já que tende a ser um 'chamariz' para o Brasil e sua inserção internacional. O perfil mais protecionista em acordos comerciais de um governo liderado pelo PT pode afetar a atração de investimentos para o país. Há dois acordos importantes na pauta: o do Mercosul com a União Europeia e a entrada do brasil na Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, que traz um ambiente de negócios mais amigável ao Brasil.