Com solução para Bolsa Família de R$ 600, Lula deve manter teto de gastos
PEC deve ser apresentada apenas depois do feriado e garante o pagamento do benefício
No primeiro dia de negociação direta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Brasília, a equipe de transição bateu o martelo que o caminho para garantir o Bolsa Família de R$ 600 será via proposta de emenda à Constituição (PEC), com a chamada “PEC da Transição”.
O modelo, de maior segurança jurídica, retira o Bolsa Família do teto de gastos, o que deve alterar de modo permanente a regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas, segundo parlamentares do partido.
O custo integral do programa será de R$ 175 bilhões em 2023, considerando o pagamento do benefício em R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos. Os recursos que tinham sido previstos para o benefício na proposta de Orçamento enviada pelo atual governo, no valor de R$ 105,7 bilhões, devem ser remanejados para custear o reajuste do salário mínimo, a recomposição de verba para o Farmácia Popular e gastos de educação e infraestrutura.
Manter o teto de gastos
A estratégia de retirar o Bolsa Família do teto resolve dois problemas: garantir o pagamento do benefício e definir a regra fiscal da primeira parte do mandato.
Assegurada uma solução para pagar o benefício, o governo deve manter o teto de gastos ao menos nesse primeiro momento, de acordo com o que estava definido pelo partido até a noite de ontem. Uma das principais expectativas do mercado, junto com o anúncio do comando do Ministério da Fazenda, era a escolha da âncora fiscal.
O dia de ontem foi de reuniões em Brasília entre Lula e os chefes dos Poderes. Ele se encontrou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e colocou a PEC entre os assuntos prioritários. Segundo o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), a PEC deve ser apresentada apenas depois do feriado.
Lula também se reuniu com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Após a reunião no TSE, Lula disse que pretende tocar obras a partir de 2 de janeiro porque precisa gerar emprego e renda.
— Nós não podemos ficar chorando, “ah, vai gastar”. Eu quero dizer, muita coisa que as pessoas falam que é gasto, eu acho que é investimento. A saúde é investimento porque investir numa pessoa para ela não ficar doente é investimento. Farmácia Popular é investimento para cuidar da vida das pessoas. Investir na educação não é gasto, é investimento — disse.
Dívida social
Lula defendeu passar a chamar algumas rubricas de investimentos, e não de gastos:
— Para quê? Para guardar dinheiro para pagar juros aos banqueiros? Precisamos ter uma dívida social. Tem uma dívida social histórica de 500 anos com o povo pobre. E nós, como já fizemos uma vez, vamos tentar começar a pagá-la.
O presidente eleito disse que não definiu seu ministro da Fazenda e só vai pensar na montagem do governo após voltar da COP27 no Egito.
Embora os detalhes da PEC não tenham sido divulgados por Lula, parlamentares do PT mencionaram as mudanças. O deputado Ênio Verri (PR), coordenador do PT na Comissão Mista de Orçamento (CMO), afirmou que o texto prevê tirar todo o Bolsa Família do teto de gastos. O líder do PT no Senado, Paulo Rocha, confirmou ao GLOBO que a PEC cria a exceção ao teto de gastos para permitir o pagamento do Bolsa Família. Segundo ele, o desenho hoje da PEC prevê a exceção de maneira permanente.
Caso a PEC confirme a mudança, Lula deve manter o teto de gastos por mais tempo, não só em 2023. Até então, a ideia era aprovar outra PEC no próximo ano revendo a regra fiscal. O presidente eleito indicou a aliados que demandaria muito esforço político aprovar outra PEC logo no próximo ano. O instrumento requer ampla maioria nas duas Casas.
A ideia é que o começo do mandato deve ser voltado a outras medidas legislativas. O risco seria ficar travado discutindo regras fiscais. A tendência é manter o teto vigente em 2023 e 2024. Enquanto isso, o PT faria ampla discussão sobre mudança de regras fiscais nos próximos anos. Ao retirar o programa social da regra, abre-se espaço para outras despesas.
Uma sinalização que o partido pode fazer ao mercado no texto da PEC é dizer que, a partir de 2024, o programa ficará dentro da meta fiscal e qualquer alta de gastos seria compensada, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Lula optou pela PEC por entender que seria um importante gesto do Congresso para que as coisas “voltem à normalidade”. Segundo o senador Omar Aziz (PSD-AM), que estava presente na reunião, Pacheco disse a Lula que é preciso aprovar uma PEC para não ter problemas jurídicos com o aumento de gastos.
O líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), afirmou que não vê dificuldades para a “PEC da Transição” ser aprovada até o fim do ano:
— Não adianta chegar com a coisa pronta sem costurar alianças importantes. Depois de construir democraticamente com a Câmara e Senado, a tramitação é de 3, 4 dias no Senado e 5 dias na Câmara. (Colaboraram Jeniffer Gullarte, Eduardo Gonçalves e Geralda Doca)