PEC DA TRANSIÇÃO

Por que R$ 175 bi fora do teto são bem mais que o necessário para o novo Bolsa Família?

Dólar subiu com os detalhes da PEC de Transição e as declarações de Lula. Entenda os números do projeto e seu impacto na economia

Aplicativo do Auxílio Brasil - Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

O dólar subiu com força na quinta-feira e a Bolsa brasileira caiu após a informação de que a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está negociando com o Congresso uma licença para despesas de R$ 175 bilhões fora do teto de gastos.

A quantia é maior do que o mercado previa e superior ao que é necessário para viabilizar o novo Bolsa Família. Além dos números da chamada PEC da Transição, contribuiu para o pessimismo do mercado também o discurso de Lula em que criticou “essa tal de responsabilidade fiscal”. No mesmo discurso, o presidente eleito disse que vai priorizar a agenda social.

Entenda, abaixo, os números da PEC e seu possível impacto na economia.

Por que é preciso uma nova PEC?
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está negociando com o Congresso a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para viabilizar o novo Bolsa Família.

A chamada PEC de Transição é necessária porque, apesar de o presidente Bolsonaro ter prometido na campanha que o atual Auxílio Brasil continuaria sendo de R$ 600 em 2023, o Orçamento enviado pelo seu governo para o Congresso não prevê recursos para isso, mas apenas para um valor menor, de R$ 400.

Qual será o ‘waiver’, ou licença para gastar?
A PEC de Transição que está sendo costurada pela equipe de Lula prevê que todos os recursos necessários para o novo Bolsa Família fiquem fora do limite do teto de gastos, regra criada na presidência de Michel Temer e que prevê que as despesas do governo não podem subir acima da inflação do ano anterior.

Assim, ficariam como gasto “extra-teto” um total de R$ 175 bilhões. Só que este valor é bem mais do que o necessário para viabilizar o novo Bolsa Família.

Quais são os valores do programa?
O Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para 2023 já prevê R$ 105 bilhões para o atual Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família. Isso considerando um benefício médio de R$ 405 a serem pagos no ano que vem.

Lula prometeu durante a campanha que manteria o valor atual, de R$ 600, o que exigiria R$ 52 bilhões a mais em recursos. Outra promessa de Lula foi pagar um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos, o que representaria um gasto adicional de R$ 18 bilhões.

Ou seja, no total, para viabilizar as promessas de Lula, seriam necessários R$ 70 bilhões - e não R$ 175 bilhões como prevê a PEC, uma vez que os demais R$ 105 bilhões já constavam do Orçamento de 2023.

E por que, então, a PEC vai prever um ‘waiver’ maior?
A equipe de transição argumenta que é preciso encontrar espaço no Orçamento para outras despesas que ficaram muito comprimidas, como o Farmácia Popular, programa que já teve suas verbas drasticamente cortadas este ano, e a merenda escolar, cujo valor de repasse aos estados está congelado há cinco anos.

Outros programas considerados prioritários são as obras do Dnit (órgão responsável pela conservação das estradas) e do programa de habitação popular, além da saúde indígena.

Assim, deixando o Bolsa Família fora do teto, o governo eleito teria R$ 105 bilhões já previstos no Orçamento para essas despesas.

E por que o mercado reagiu tão mal?
Ao retirar o programa Bolsa Família de forma permanente do teto de gastos, cria-se uma despesa extra que não será transitória, ou seja, apenas em 2023.

O teto já tinha sido alterado em outros momentos no governo Bolsonaro, quando da aprovação da PEC dos Precatórios (que mudou a regra de reajuste para as despesas no teto) e da PEC Kamikaze, que viabilizou o aumento do Auxílio Brasil e o pagamento de benefícios para taxistas e caminhoneiros às vésperas das eleições.

E qual pode ser o impacto na economia?
Especialistas afirmam que retirar o Bolsa Família do teto cria uma despesa permanente elevada e que, sem uma sinalização clara de como será o controle dos gastos públicos a longo prazo, o Brasil passará a ser visto com desconfiança por investidores.

Isso pode resultar em um menor ingresso de recursos no país, o que tende a pressionar o dólar e, por consequência, a inflação.

Uma inflação mais alta é danosa sobretudo para as famílias mais pobres, que não têm alternativas para acomodar os preços maiores no supermercado e no custo de vida em geral.