Escolha da equipe de transição provoca turbulências da direita à esquerda na 'frente ampla' de Lula

Alas internas reclamam que maioria dos cargos distribuídos satisfaz só o grupo majoritário do partido

Henrique Paim - Antonio Cruz/ Agência Brasil

A escalação dos integrantes da equipe de transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem provocado insatisfação e gerado turbulências na “frente ampla” que o petista buscou reunir desde o segundo turno — e as turbulências já aparecem da direita à esquerda.

Alas do PT, por exemplo, se queixam de que a maior parte dos nomes convocados até agora é da CNB, o grupo majoritário que comanda a legenda e do qual faz parte a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Já no PSOL, há setores querendo impedir a sigla de integrar oficialmente o novo governo a partir de 2023.

Atravessando para o lado oposto do espectro político, há incômodo no mercado com declarações de Lula vistas como contrárias à estabilidade fiscal — o economista Pérsio Arida, da equipe de transição, é o preferido do grupo para o comando da economia. No centro, por sua vez, a ex-presidenciável Simone Tebet deu um leve recado ao defender que a escolha para chefiar a Fazenda ocorra o quanto antes.

O processo de escolha dos nomes já havia provocado tensão na segunda-feira em reunião da executiva do PT. Na ocasião, integrantes da CNB se queixaram de falta de informação sobre a transição. A situação, relatam, foi contornada com as publicações de portarias sobre os grupos de trabalho temáticos.

A insatisfação agora vem de algumas correntes minoritárias. Entre os 27 petistas indicados para a transição, pelo menos dez são ligados à CNB. No entanto, a maioria dos integrantes do partido escalados tem perfil mais técnico e não é vinculado à disputa de correntes, como os economistas Guilherme Mello e Nelson Barbosa. A CNB controla 45% dos postos de comando do PT.

O deputado federal Rogério Corrêa (PT-MG), da Resistência Socialista, afirma que houve insatisfação de grupos ligados à educação por causa da reunião convocada pelo ex-prefeito Fernando Haddad na terça-feira. Professores e sindicatos de servidores não se sentiram contemplados no encontro, que teve apenas gestores.

Na ocasião, o ex-ministro Henrique Paim foi anunciado como coordenador do grupo temático de educação.

— Sobre as correntes, não vi essa crise. Acho que vai ter espaço. Vamos aguardar — afirmou o parlamentar.

No PSOL, em meio à expectativa de ter Sônia Guajajara como ministra dos Povos Originários, alas internas querem impedir a sigla de integrar oficialmente o novo governo.

Várias tendências, como o Movimento Esquerda Socialista (MES), do qual fazem parte nomes como Sâmia Bomfim, Mônica Seixas e Luciana Genro, tentam levar o partido para, senão uma oposição, ao menos uma postura de independência em relação ao PT.

O clima interno é de acirramento e tensão, segundo quadros ouvidos pelo GLOBO, e há risco de debandada a depender da decisão tomada pela direção nacional, que vai se reunir em dezembro para tratar o caso.

Em junho, um grupo de mais de cem integrantes, entre eles Plínio de Arruda Sampaio Júnior, anunciou a desfiliação em massa após a legenda aderir à chapa Lula-Alckmin e formar uma federação com a Rede.

Agora, um grupo está insatisfeito com a composição do gabinete de transição, que considera mais à direita. Porém o que mais pesa é a expectativa de que o governo Lula dependa de siglas como MDB, PSD e União Brasil para governar e garantir maioria no Congresso para aprovação de seus projetos.

O presidente da sigla, Juliano Medeiros, e o deputado federal eleito Guilherme Boulos (SP), próximos a Lula, foram anunciados na equipe de transição — o que incomoda a ala mais à esquerda do partido, ainda que a decisão tenha sido deliberada e vencido uma votação na direção nacional por dez votos a nove.

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) diz que as prioridades do partido são os enfrentamentos ao bolsonarismo e ao fisiologismo do Centrão. Para ele, esses objetivos não poderiam ser alcançados com a legenda integrando um governo que deve depender de acordos com esses grupos à direita.

— Quando você está debaixo do guarda-chuva do governo, você perde a independência para fazer esse enfrentamento. Para o PSOL manter suas pautas ativas, vai ter muito mais capacidade de fazer isso enfrentando a extrema-direita fora do governo do que ocupando cargos lá dentro — diz Braga.

Sinais trocados
Os movimentos de aproximação à direita identificados pelo PSOL, por sua vez, ainda não foram suficientes para tranquilizar setores econômicos que desejam uma gestão mais atenta ao controle dos gastos públicos. Na quinta-feira, a Bolsa de Valores caiu, e o dólar subiu após um discurso em que Lula renovou críticas ao teto de gastos e ironizou o excesso de zelo com a estabilidade fiscal — gestos lidos pelo mercado como uma guinada à esquerda.