Vídeo inédito do interrogatório de Flordelis no julgamento: abuso sexual, agressão e choro
Ex-deputada foi condenada a mais de 50 anos de prisão pela morte do marido
A ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza foi condenada, na manhã do último domingo, a 50 anos e 28 dias de prisão, acusada de ser mandante da morte do marido, o pastor Anderson do Carmo. O julgamento da pastora, no Tribunal do Júri de Niterói, durou sete dias. Flordelis foi interrogada no sexto dia de julgamento, dia 12. Durante cerca de 40 minutos, ela respondeu às perguntas de sua advogada, Janira Rocha, e dos jurados; mas não aos questionamentos do Ministério Público estadual, assistente de acusação e juíza. O GLOBO teve acesso ao vídeo completo do depoimento, no qual a acusada narrou supostos abusos sexuais e agressões físicas cometidas por Anderson, falou sobre a relação com o marido, comentou sobre os filhos que ficaram contra ela e respondeu até mesmo à indagação de um dos jurados se o seu choro era real.
Em vários momentos do depoimento, com a voz trêmula, Flordelis se emocionou. Durante 15 minutos, a ex-deputada respondeu às perguntas de sua advogada Janira Rocha. A primeira foi se Flordelis sabia quem tinha matado Anderson.
"Eu não posso acusar ninguém. Eu não estava presente no local. Eu não vi. Eu não posso afirmar" alegou.
Em seguida, Janira perguntou por qual motivo o pastor tinha sido morto.
"Bem, doutora. É muito difícil pra mim falar. Mas foram os abusos que aconteceram dentro da minha casa" disse.
Janira pediu que a ex-parlamentar detalhasse os abusos, e Flordelis começou a narrar episódios que já tinham sido revelados por ela na semana anterior ao julgamento, dentro da penitenciária Talavera Bruce, em conversa com seus advogados. Os relatos da pastora foram gravados e publicados com exclusividade pelo GLOBO.
Flordelis narrou supostos episódios de violência física no início do casamento, que cessaram depois da conversa de um outro pastor com o marido. Ela contou que, com o tempo, Anderson passou a ficar violento durante o sexo.
"Foi um tempo de alívio pra mim. Ele não me bateu mais, mas depois passou a ficar agressivo na área sexual. Meu marido só chegava às vias de fato se me machucasse" afirmou.
No júri, outras mulheres da casa, além de Flordelis, também afirmaram que Anderson teria abusado sexualmente delas. Uma delas foi sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues, que também estava sendo julgada. Simone foi condenada a 31 anos e quatro meses de prisão.
Depois de encerradas as perguntas da defesa, Flordelis começou a ouvir o questionamento dos jurados, lidos pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce. Indagada sobre o que poderia falar em sua defesa, a ex-parlamentar negou que seja mandante da morte de Anderson.
"Eu não tenho que pagar pelos erros de ninguém. Há três anos e pouco, estou pagando por uma coisa que não fiz. Estou sendo chamada de mandante do assassinato da pessoa que eu mais amava nessa vida, da pessoa que eu mais precisava. Eu só tinha seis meses de mandato na Câmara, eu precisava dele para que meu mandato desse certo."
Flordelis foi questionada por um dos jurados sobre qual atitude seria correta “à luz da Bíblia, da igreja, de sua família, de Deus”, uma vez que afirma que era vítima de violência física.
"Assim como ele tinha parado de me bater, eu orava, orava muito. Conversava com ele também. A gente conversava, a gente falava sobre esses assuntos. Eu tentava conversar com ele, eu orava muito. Fazia jejum, eu ia pro monte, subia monte. Para pedir a Deus pra que como ele tinha parado de me bater, que Deus fizesse a mesma coisa com as dores que ele me fazia sentir no ato sexual."
Indagada por que não tinha denunciado o marido, ela afirmou que sentia vergonha. A ex-deputada também foi questionada por um dos jurados se seu choro era real. Ela respondeu que sim. Um deles perguntou ainda sobre o que ela tinha a dizer dos filhos que ficaram contra ela. Flordelis afirmou que, na realidade, foram poucos:
"É doído para mim falar isso, mas me sinto uma mulher agraciada por Deus. Dá a entender que são vários filhos que ficaram contra mim, mas foram seis ou sete. Tudo isso por dinheiro. Todo meu dinheiro foi roubado, desaparecido. Eu sempre trabalhei. Eu, como deputada federal, peguei empréstimo no Banco do Brasil e dependi de cesta básica."
Para o advogado Rodrigo Faucz, que defende Flordelis, apesar da condenação, no interrogatório, ficou evidenciado que a ex-deputada não teve participação na morte do marido nem nas tentativas de envenenamento da vítima, que a defesa alega não terem ocorrido:
"Infelizmente, a imagem dela foi bastante afetada nesses últimos anos, o que certamente contribuiu para sua condenação. Lembro que, no decorrer do júri, não foi apresentada qualquer prova direta do envolvimento de Flordelis. A defesa, pelo contrário, conseguiu demonstrar que nenhum dos acusados possuía envolvimento com os fatos levados a julgamento' afirma.
Flordelis foi condenada a 50 anos e 28 anos de prisão pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio, associação criminosa armada e uso de documento falso. Seus advogados entraram com recurso para anular o júri e pedem que a ex-deputada seja julgada novamente em razão de nulidades ocorridas. Sua filha, Simone, também foi condenada. Já outros dois filhos, André Luiz de Oliveira e Marzy Teixeira, além da neta Rayane de Oliveira, foram absolvidos.
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