Teto de gastos

Economistas fazem "Carta ao presidente Lula" em réplica a Arminio, Malan e Bacha

Em carta aberta publicada na Folha de S.Paulo, Bresser Pereira e quatro economistas dizem que ideia de que teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia

Luiz Inácio Lula da Silva - Ricardo Stuckert/Divulgação

Após Arminio Fraga ex-presidente do Banco Central; Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES; e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, que apoiaram a eleição do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, terem feito uma carta criticando a postura do presidente eleito em relação ao teto de gastos, outros economistas publicaram, nesta segunda-feira (21), uma carta no jornal Folha de S. Paulo apontando que a ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia.

Assinaram o texto os economistas José L. Oreiro; Luiz C. Magalhães; Kalinka Martins; o professor de economia do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Geep/Iesp-Uerj, Luiz Fernando de Paula; e o professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC), Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Para eles, a longo prazo, o teto esmaga o orçamento dedicado às áreas social e de investimento público porque, "ao congelar em termos reais por um período de 20 anos os gastos primários, o crescimento vegetativo dos gastos com Previdência Social de 3% ao ano faz com que os demais itens do Orçamento sejam comprimidos".

Veja a íntegra da carta:

"Nossa intenção, além de parabenizar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela sua vitória, é fazer um contraponto à carta dos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, publicada neste jornal.

Os referidos economistas se opõem ao seu compromisso de revogar o teto de gastos, já que esse desempenha um papel fundamental de garantir a responsabilidade fiscal, mantendo a inflação sob controle ao assegurar a confiança do "mercado" nas políticas do governo.

A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. De fato, o teto se mostrou incapaz de impedir que o governo de Jair Bolsonaro (PL) realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos e de criar de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições.

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Os economistas argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida pelo Embi+ (a diferença entre o juro que um país emergente cobra em relação ao cobrado pelos EUA), calculado pelo JPMorgan.

No dia 2 de janeiro de 2003, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como presidente da República, V.Exa. herdou do governo anterior um risco-país medido pelo Embi+ de 1.374 pontos, ou seja, um spread de 13,74 pontos percentuais sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública americana. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 pontos, prova da confiança do "mercado" na responsabilidade fiscal do seu governo.

O teto de gastos foi aprovado no Senado no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo Embi+ se encontrava em 324 pontos, valor 71,42% acima do registrado no último dia do seu segundo governo. No primeiro dia útil do governo Bolsonaro, o risco-país se encontrava em 275 pontos, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da emenda do teto, mas 45,5% superior ao verificado em 31 de dezembro de 2010. A avaliação do mercado é clara: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco-país.

Fraga, Bacha e Malan afirmam ainda que a elevação da inflação ocorrida em 2021 e 2022 foi resultado do descontrole dos gastos públicos no governo Bolsonaro, que "furou" o teto em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 bilhões (previsto) para 2022. Esse é outro equívoco.

A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal, mas sim resultado de eventos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial (pandemia de Covid-19 e Guerra da Ucrânia). A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia em outubro de 2022 se encontra em 11,3%, quase o dobro do valor observado no Brasil.

Os referidos economistas sustentam que o problema da falta de recursos para área social e investimento público não são decorrência do teto, mas da falta de prioridade do governo. Contudo, o teto é um elemento que impõe um esmagamento a longo prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas, pois ao congelar em termos reais por um período de 20 anos os gastos primários, o crescimento vegetativo dos gastos com Previdência Social de 3% ao ano faz com que os demais itens do Orçamento sejam comprimidos.

Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos nas áreas de saúde e educação, os salários dos servidores foram reduzidos de uma média de 4,4% do PIB dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Esse ajuste chegou ao seu limite, não sendo mais sustentável mantê-los comprimidos, tornando o teto inviável.

Concluindo, entendemos ser legítimo e viável abrir espaço no Orçamento para viabilizar gastos públicos para enfrentamento da crise social e econômica, que deverá ser combinado, quando empossado, com adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade orçamentária com sustentabilidade da dívida pública".