Erasmo Carlos: "Sou o que pude e o que tentei ser plenitude"
Eterno Tremendão, que se foi aos 81 anos, deixa legado perene como Rei do Rock Brasileiro e peso-pesado da Jovem Guarda
Há pouco mais de cinco dias, a estatueta do Grammy Latino pelo disco “O Futuro Pertence À... Jovem Guarda” impulsionou Erasmo ao que seria sua última postagem em rede social.
Para o ‘Tremendão’ ou ‘Gigante Gentil’ ou Erasmo Esteves, nome de batismo, “É tão importante entender o conceito, quanto ouvir a música… Existem várias formas de amor, e eu preciso de todas”.
O derradeiro diálogo com o público, com os fãs, com os seguidores, foi para agradecer a premiação pelo Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa, mas sobretudo, para reforçar o sentimento que o movia, inclusive, como o artista Erasmo Carlos – nome de importância singular para a música brasileira, tais quais outros tantos de uma geração que têm ido embora sem deixar substituto.
Aos 81 anos, o cantor, compositor e ‘Rei do Rock Brasileiro’ não resistiu a uma Síndrome Endemigênica e morreu ontem, em um hospital no Rio de Janeiro.
De pais baianos, mas nascido em terras cariocas, foi no Rio de Janeiro onde Erasmo se juntou à “Turma da Tijuca” e encontrou Jorge Bem Jor, Tim Maia e Roberto Carlos – com este último formou a dupla mais explosiva dos idos tempos do “Iê Iê Iê” e fez da Jovem Guarda o seu acesso ao universo da música, com a “Festa de Arromba” (1964) do rock’n’roll brasileiro, completada pela voz da ‘Ternurinha’ Wanderléa. Embora nascido na década de 1950 com Celly Campelo, o rock ganhou com o trio novas roupagens.
E apesar da parceria memorável e infinda com o “amigo de fé, irmão camarada” Roberto que, a propósito, escreveu os versos de “Amigo” (1977) para ele e lhe ‘emprestou’ o Carlos, sobrenome com o qual ficou conhecido, em paralelo a uma união que rendeu indiscutíveis “Além do Horizonte”, “Detalhes” e “Emoções”, entre tantas outras canções, Erasmo fez palco próprio para o decorrer de uma trajetória de mais de seis décadas, que culminou na composição de mais de 600 canções direcionadas ao amor e às mulheres, às quais ele não considerava o sexo frágil. Essa era uma mentira absurda.
Para Gal, por exemplo, ele fez “Meu Nome é Gal” (1969) – mais uma das parcerias dele com Roberto. A música resumia bem Gal Costa, artista revolucionária a quem ela chamou de “obra de arte” em postagem lamentando a sua morte no último nove de novembro.
Ora nas vestes de um volátil sedutor, ora como um romântico assumido e por (tantas) vezes melancólico, Erasmo Carlos, que carregava a fama de bom moço, de fato o era.
Compositor do mundo, era compreendido por leigos ou por intelectuais, e agraciado por artistas, dezenas deles. Fato que o fazia trilhar pelos ares da renovação na arte – “o novo me fascina” – vociferou em entrevista.
Sobre o seu desejo intocável de chegar aos 80 anos “de bengala, em cima dos palcos, e cantando rock and roll”, confissão feita em entrevista ao programa Conversa com Bial, em 2021, assim foi feito.
Erasmo superou as oito décadas cantando, e sua mais recente revisita à Jovem Guarda se deu exatamente com o álbum que meses após o lançamento, lhe renderia um Grammy.
Em junho deste ano, quando completou 81 voltas ao redor do sol, Erasmo desejou feliz aniversário para si mesmo. “Sou o que pude e o que tentei ser plenitude”, afirmou em rede social, complementando que quis ser muitos, mas “contagiado pelo bem, tornei-me um guerreiro da paz”.
E como quem profetiza, o Tremendão deixou registrado um fato, que não há de ser contestado em tempo algum: “O meu canto será ouvido assim como o som dos ventos, enquanto o sol brilhar e as lembranças resistirem”.