"PEC da Transição": Congresso deve rever validade e valores, dizem analistas e parlamentares
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a liderança da busca por apoio ao projeto
A PEC da Transição foi apresentada ontem no Congresso, mesmo dia em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a liderança da busca por apoio ao projeto, ao se reunir com integrantes do MDB.
A proposta de emenda à Constituição — que deve iniciar sua tramitação oficialmente hoje, após a confirmação das 27 assinaturas necessárias de senadores endossando o texto —, prevê R$ 198 bilhões fora do teto de gastos e validade de quatro anos.
Os dois pontos, contudo, serão alvo de negociação política em troca de votos para aprovar a PEC até o próximo dia 22, data limite para que o novo governo consiga cumprir promessas de campanha como manter o Bolsa Família em R$ 600.
Ainda longe do consenso, a PEC foi apresentada formalmente pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento de 2023, e deve sofrer alterações no Congresso.
— Tudo isso vai ser fruto de intensas negociações. Dificilmente uma matéria entra e sai da mesma maneira que entrou. Claro que estamos esperando que essa PEC sofra modificações. Chegando a um consenso, submetemos à votação — afirmou Castro, indicando que as negociações ocorrerão durante a tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
Na porta do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da transição, Castro afirmou que decidiu protocolar o texto da PEC antes de se chegar a um consenso entre os parlamentares para evitar mais atrasos. A expectativa dele é que a proposta seja aprovada até 16 de dezembro.
— Demorou porque não se chegou a um denominador comum. Aí nós invertemos a lógica. Em vez de esperar chegar a um denominador comum, preferimos apresentar e durante a tramitação nós vamos negociar — disse.
Sem emendas de relator
O texto apresentado por ele estabelece que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos por quatro anos (com um custo de R$ 175 bilhões por ano), ou seja, durante todo o mandato de Lula, além de permitir mais R$ 22,9 bilhões para investimentos, totalizando R$ 198 bilhões.
Com isso, a ideia do PT é usar o espaço de R$ 105,7 bilhões já previsto para o programa social na proposta orçamentária de 2023 para outras despesas.
Um grupo de senadores defende, porém, um prazo de validade de só dois anos para esses gastos fora do teto, a regra que limita o aumento de despesas da União à inflação do ano anterior.
Além de tirar o Bolsa Família do teto, o texto também exclui o programa da meta fiscal de 2023 e da regra de ouro, que impede endividamento para pagamento de despesas correntes. Essas duas outras regras fiscais do país voltariam a valer para o programa social a partir de 2024.
A proposta prevê que todos os gastos do Bolsa Família em 2023 não precisarão seguir limitações orçamentárias, como a necessidade de compensação nas receitas na criação de despesas.
A PEC diz ainda que os R$ 105 bilhões que estarão disponíveis para gastos em 2023 se destinarão, exclusivamente, ao atendimento de solicitações da equipe de transição. Além disso, esse dinheiro não poderá ser destinado para emendas parlamentares, incluindo as emendas de relator, mais conhecidas como orçamento secreto.
Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, o texto será desidratado no Congresso por ser uma “proposta extrema”:
— Faz mais sentido pensar em responsabilidade fiscal agora e criar espaço para os programas sociais propostos lá no terceiro ou quarto ano do governo. Implementar tudo de imediato, sem considerar o fiscal, afasta a credibilidade do Brasil para investimentos e leva a juros, dólar e inflação altos.
Arthur Bueno, assessor de investimentos da Ável, também acredita que o gasto extra de R$ 198 bilhões não será autorizado no fim da negociação:
— A tendência é chegar a um consenso com o mercado para evitar acréscimo na taxa de juros.
A proposta não prevê uma nova âncora fiscal para as contas públicas do país em substituição ao teto de gastos. Embora o PT aceite incluir esse assunto no texto, a ideia é que isso seja feito ao longo das negociações, como um sinal de que o partido está disposto a ceder.
Haddad no GT de economia
O texto apresentado ontem é considerado a versão “ideal” da transição, mas senadores aliados a Lula reconhecem que terão que negociar ao longo da tramitação. São esperadas novas atuações de Lula nos próximos dias para garantir os votos necessários.
Para aprovar a PEC, são necessários os votos de 49 dos 81 senadores e o apoio de 308 dos 513 deputados, ou seja, três quintos dos congressistas.
Apontado como um dos favoritos para assumir o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP) participou ontem de reuniões ao lado de Lula em Brasília, em que o presidente eleito discutiu o formato da “PEC da Transição”.
O ex-prefeito de São Paulo disse que ainda não debateu a proposta e que foi autorizado pelo presidente eleito a integrar, a partir de hoje, o grupo de trabalho (GT) da transição da economia. Até o momento, ele estava formalmente apenas no GT da educação.
Mínimo de R$ 175 bi
De acordo com integrantes do PT, o partido está aberto para negociar uma série de pontos do texto. Um deles é o próprio valor da proposta. Para membros do partido, o adicional de investimentos de R$ 23 bilhões deve ser retirado do texto.
Parlamentares do PT afirmam, porém, que não abrem mão de tirar todo o Bolsa Família do teto e descartam propostas de menos de R$ 175 bilhões.
A PEC ainda tira do teto de gastos despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas custeadas por recursos de doações e despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios.
Esses dois pontos não são considerados polêmicos e devem passar sem problemas, na avaliação de senadores.
Rodrigo Simões, economista e professor da Faculdade do Comércio de SP, acredita que o mercado financeiro ficará abalado enquanto os integrantes do novo governo não apresentarem uma contrapartida ao teto de gastos.
— A gente tem que ajudar os mais necessitados, mas isso tem que ser feito através de corte de gastos ou de outra manobra que atraia mais investimentos para o país.
A doutora em economia e professora na UFRJ Margarida Gutierrez diz que a solução seria estabelecer um novo teto de gastos para 2023, incluindo as despesas extras com Bolsa Família, que somam menos de R$ 100 bilhões no total:
— Toda despesa social tem que estar no teto porque é uma escolha que o país está fazendo de proteger os mais vulneráveis. O executivo precisa sinalizar que está criando regras, que esse gasto não é indefinido. Caso contrário, sufoca a economia e todos os setores produtivos.