Percentual de crianças que vivem abaixo da pobreza salta para 46,2%, maior nível da série
Redução do valor do Auxílio Emergencial em 2021 é um dos motivos para maior número de pobres. Na população em geral, 29,4% ganham menos de US$ 5,5 por dia
O percentual de crianças menores de 14 anos que estão abaixo da linha de pobreza chegou a 46,2% no Brasil no ano passado, o maior percentual da série, iniciada em 2012. São 20,3 milhões de meninos e meninas que vivem sem rendimento suficiente para ter condições mínimas de bem-estar, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE divulgados nesta sexta-feira (2).
A proporção é muito maior que na população em geral, em que 29,4% estão na mesma situação. Ou 62,5 milhões de brasileiros.
Os critérios considerados para linha de pobreza são os do Banco Mundial, isto é, renda nominal per capita menor que US$ 5,50 por dia ou R$ 486 por mês.
Ao todo, 17,8 milhões de brasileiros estão na extrema pobreza, com ganho per capita inferior a US$ 1,90 diário, ou R$ 168 mensais. São 8,4% da população nesta situação.
De novo, as crianças são as mais afetadas: 13,4% delas são extremamente pobres.
"A redução dos valores e abrangência e o aumento dos critérios para concessão do Auxílio Emergencial, em 2021, provavelmente tiveram impactos sobre o aumento da extrema pobreza e da pobreza neste último ano", diz o IBGE.
Na ocupação de Vila Canaã, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, os número do IBGE ganham contorno de realidade. Entre as 135 famílias que lá vivem está a de Daniele Rodrigues, de 39 anos. Ela vive com os cinco filhos em um cômodo pequeno e dividido apenas por um guarda-roupas, usado para separar o espaço onde está a cama de casal, em que todos dormem, e a sala.
Em 2020, no auge da pandemia, ela sofreu um AVC e ficou com o lado esquerdo do corpo paralisado, motivo pelo qual, afirmou, não consegue trabalhar. Agora, depende do Auxílio Brasil, de R$ 600, para sustentar o lar.
"Tenho cinco filhos. Eles têm 3, 7, 9, 12 e 19 anos. Já faz cinco anos que a gente mora nessa ocupação. Antes, morávamos em outra, mas fomos despejados." disse Daniele. "Hoje, com R$ 600, você compra um arroz, feijão ou uma mistura. Então, passamos dificuldades."
"Falta até um leite, um pão"
Irmã mais velha de Daniele, Silvana Rodrigues, de 45, também mora na Vila Canaã. Ela tem dez filhos, mas vive com quatro deles e o marido, que perdeu a visão de um olho e, por isso, parou de trabalhar. Para complementar a renda, Silvana vende doces.
"Eu tentei colocar uma barraquinha de doces aqui para a gente poder sobreviver, mas tem dia que vende e outros que não. As doações também sumiram. Vinham pessoas de fora e, depois da pandemia, isso acabou. Acho que a dificuldade bateu na porta de todo mundo."
A insegurança alimentar e a pouca compreensão dos mais novos sobre a realidade em que vivem é motivo de angústia para as mães.
"As crianças não entendem. Costumam pedir danone, biscoito, sucrilhos. Coisas que eles tinham antes da pandemia por causa das doações. Mas hoje faltam até um leite, um pão" contou Daniele.
Nordeste concentra pobreza
O Nordeste é a região que concentra mais brasileiros vulneráveis: 53,2% dos que vivem com menos de US$ 1,90 por dia estão lá. Os estados nordestinos também abrigam 44,8% dos pobres do país.
O Sudeste, que abriga as cidades mais ricas da nação, também convive com pessoas com rendimento insuficiente. É a segunda região que mais concentra pessoas na extrema pobreza no país, com 25,5% delas. Quando se olha os que estão abaixo da linha de pobreza, o percentual na região (29,5%) está em linha com o número nacional.