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Cúpula do Mercosul começa em meio a tensões renovadas sobre flexibilização do bloco

Presidente Jair Bolsonaro não estará presente na cúpula

Bandeiras do Brasil e Mercosul - Marcos Oliveira/Agência Senado

A cúpula do Mercosul aquece os motores nesta segunda-feira (5), véspera da reunião de chefes de Estado, com a flexibilização do bloco novamente sobre a mesa e um clima renovado de tensão, após a ameaça de represálias contra o Uruguai por seu interesse em assinar acordos com terceiros países.

Representantes dos Estados-membros e Estados Associados começam a se encontrar nesta segunda-feira na reunião do Conselho do Mercado Comum, em preparação para a cúpula de presidentes de terça-feira (6), que contará com a presença do argentino Alberto Fernández e do paraguaio Mario Abdo, além do anfitrião, o uruguaio Luis Lacalle Pou.

O presidente Jair Bolsonaro não estará presente na cúpula, como fez em julho durante o encontro em Assunção.

O argentino Fernández receberá a presidência provisória do bloco do uruguaio Luis Lacalle Pou.

Brasil, Argentina e Paraguai reiteraram nesta segunda-feira (5) as críticas ao Uruguai por seu desejo de negociar acordos com países fora do Mercosul, alertando que isto poderia "levar a uma ruptura", enquanto Montevidéu considera que, sem uma abertura comercial, o bloco caminha para a "extinção".

"Precisamos de um bloco capaz de estreitar os laços com outros países e blocos. Não podemos nos permitir o imobilismo", disse o chanceler anfitrião, o uruguaio Francisco Bustillo, em seu discurso de abertura da reunião do Conselho do Mercado Comum.

O ministro uruguaio esclareceu que seu país "não pretende, nem quer romper com o bloco", fundado em 1991, mas considerou que a conjuntura atual o aproxima da "extinção".

Estas declarações foram uma resposta ao discurso do ministro argentino das Relações Exteriores, Santiago Cafiero, para quem "segue-se por um caminho que muito provavelmente poderia levar à ruptura" do bloco, em alusão às tentativas do Uruguai de negociar tratados bilaterais com países terceiros, sem a aprovação de seus parceiros.

Bustillo afirmou que agora o Mercosul tem 11 acordos vigentes e apenas quatro deles são extrarregionais.

"Um dado não desprezível é que desde o ano 2010 até hoje, a Organização Mundial do Comércio registra 172 acordos de livre comércio. Nenhum do Mercosul", ilustrou.

"Não temos acordo com nenhuma das 10 principais potências econômicas e comerciais no mundo", acrescentou.v

O presidente uruguaio espera uma reunião "entretida", em declarações na última quarta-feira, ao saber de uma nota divulgada por Brasil, Argentina e Paraguai, em que os três levantam a possibilidade de "possíveis medidas" contra Montevidéu por seu pedido de adesão ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP).

"Os três países se reservam o direito de adotar as medidas que considerem necessárias para defender seus interesses no campo jurídico e comercial", alertaram Buenos Aires, Brasília e Assunção em declaração conjunta, que critica a posição uruguaia de buscar acordos com países de fora da zona sem o consentimento dos demais sócios.

Horas depois, o governo uruguaio finalizou seu pedido de adesão ao acordo comercial formado por Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia, Brunei, Chile, Malásia, México, Peru, Singapura e Vietnã, por meio de uma carta entregue por seu ministro das Relações Exteriores, Francisco Bustillo.

Este é um novo capítulo que se soma à disputa que o menor país do bloco, com 3,5 milhões de habitantes, mantém com seus sócios há décadas.

De fato, o governo de Lacalle Pou também tenta negociar um Tratado de Livre-Comércio (TLC) com a China sem a aprovação dos outros membros do Mercosul, o que irritou particularmente a Argentina e o Paraguai.

Uma resolução conjunta do ano 2000 e o tratado fundador de 1991 sugerem que os acordos do Mercosul devem ser alcançados em conjunto pelos sócios, uma interpretação da regulamentação que o Uruguai não compartilha.

Jogada política
A declaração das três chancelarias, e a decisão de divulgá-la simultaneamente, "é uma mensagem, um movimento mais político do que concreto, um alerta que o Mercosul dá ao Uruguai sobre algo que já sabíamos que eles não compartilhavam", disse o especialista em Relações Internacionais, Ignacio Bartesaghi, em declarações à AFP.

Para o analista, "o Uruguai não pode voltar atrás em algo que ainda não começou".

"O que se iniciou até agora são anúncios e ações que não têm qualquer tipo de possibilidade de reclamação judicial", ponderou sobre o pedido de adesão ao CPTPP, bem como sobre o caminho percorrido para negociar um acordo de livre-comércio com a China.

"O Uruguai ainda não está negociando. Fechar um estudo de viabilidade com a China é considerado um primeiro elo da negociação, sim, mas tecnicamente não está negociando nada ainda. E muito menos com o CPTPP, para o qual acabou de apresentar a nota", resumiu.

Neste contexto, Bartesaghi considera que na cúpula "não haverá nada para apresentar" e se repetirá o cenário das reuniões anteriores, sem progressos concretos.

"A discordância do Mercosul em questões mínimas de consenso ficará evidente mais uma vez", afirmou.

Além disso, o especialista destacou que a ausência do Brasil, "a potência" da região, pela segunda vez consecutiva em uma cúpula, é um claro indicador do atual estado de fragilidade do bloco.

Rumo à "ruptura"
Uma resolução conjunta do ano 2000 e o tratado fundacional de 1991 determinam que os acordos do Mercosul devem ser alcançados em grupo pelos sócios, uma interpretação da normativa da qual o Uruguai não compartilha.

"Certas atitudes unilaterais nos preocupam, orientadas a negociações bilaterais com países terceiros à margem do consenso do bloco", avaliou Cafiero. "Consideramos que isso é contrário à normativa do Mercosul", destacou.

"As abordagens bilaterais não nos assustam", mas "sempre foram fruto do consenso", reforçou.

"Vemos com preocupação que se avance por um caminho que muito provavelmente poderia levar a uma ruptura" do bloco, destacou o ministro argentino.

O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Carlos França, afirmou que o Brasil está "aberto a discutir modalidades flexíveis", desde que ocorram "de forma franca e transparente nas instâncias pertinentes do bloco e respeitando os princípios básicos" do Mercosul.

"O consenso é a regra do Mercosul e devemos respeitá-la (...) O objetivo do Tratado de Assunção é claro, não há lugar para interpretações", disse, por sua vez, o chanceler paraguaio, Julio César Arriola.

Para o especialista em Relações Internacionais Ignacio Bartesaghi, o Uruguai "iniciou até agora (...) anúncios e ações que não têm nenhum tipo de possibilidade de reclamação legal".

Além disso, destacou que a ausência do Brasil, "a potência" regional, pela segunda vez em uma cúpula, é um claro indicador do frágil estado atual do bloco.v