Congresso do Peru ignora tentativa de dissolução e destitui presidente Castillo
A destituição de Castillo foi aprovada por 101 votos de um total de 130 congressistas na terceira tentativa do Legislativo
O Congresso do Peru destituiu, nesta quarta-feira (7), o presidente Pedro Castillo por "incapacidade moral", ignorando a decisão do chefe de Estado de dissolver o Parlamento e reorganizar o sistema de justiça.
A destituição de Castillo foi aprovada por 101 votos de um total de 130 congressistas na terceira tentativa do Legislativo, controlado pela direita, de tirar o presidente esquerdista do poder desde que ele assumiu o cargo, há 16 meses.
A vice-presidente, Dina Boluarte, que denunciou um "golpe de Estado", deveria assumir a Presidência da República às 15h, horário local (17h em Brasília).
Em um esforço de última hora para se salvar da destituição, Castillo anunciou a dissolução do Congresso poucas horas antes de o Parlamento se reunir para discutir seu impeachment.
"São emitidas as seguintes medidas: dissolver temporariamente o Congresso da República e instaurar um governo excepcional de emergência; convocar no prazo mais breve possível um novo Congresso com poderes constituintes para redigir uma nova Constituição em um prazo não superior a nove meses", declarou Castillo em mensagem à nação lida do palácio do governo e transmitida pela televisão.
"A partir desta data e até que seja instaurado o novo Congresso, governaremos mediante decretos-lei. Fica decretado toque de recolher em nível nacional a partir de hoje (...) das 22h00 (00h00 de Brasília) até às 4h00 (06h00 de Brasília)" de quinta-feira, declarou o presidente, que vestia terno azul e a faixa presidencial.
"Declaro em reorganização o sistema de Justiça, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Junta Nacional de Justiça, o Tribunal Constitucional", afirmou.
O governo do presidente americano, Joe Biden, que já se refere a Castillo como "ex-presidente", instou que ele revertesse a dissolução do Congresso.
O porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, afirmou que Washington não considera mais Castillo presidente do Peru.
"Tenho entendido que, em vista da ação do Congresso, agora é o ex-presidente Castillo", disse Price a jornalistas, acrescentando que os congressistas vão tomar "medidas corretivas", de acordo com as regras democráticas.
Mais cedo, a embaixadora dos Estados Unidos em Lima, Lisa Kenna, anunciou, pelo Twitter, que "os Estados Unidos instam fortemente o presidente Castillo a reverter sua tentativa de fechar o Congresso e permita às instituições democráticas do Peru funcionar de acordo com a Constituição".
"Golpe de Estado"
"Repudio a decisão de Pedro Castillo de praticar a quebra da ordem constitucional com o fechamento do Congresso. Trata-se de um golpe de Estado, que agrava a crise política e institucional que a sociedade peruana terá que superar com apego estrito à lei", escreveu, também no Twitter, a vice-presidente do Peru, Dina Boluarte.
"Hoje foi dado um golpe de Estado no melhor estilo do século XX. É um golpe fadado ao fracasso, o Peru quer viver na democracia. Este golpe de Estado não tem nenhum fundamento jurídico", disse à rádio RPP o presidente do Tribunal Constitucional, Francisco Morales.
A procuradora-geral do Peru, Patricia Benavides, reagiu imediatamente ao anúncio presidencial, expressando sua "rejeição enfática" a "qualquer violação da ordem constitucional" e instou o presidente a "respeitar a Constituição, o Estado de Direito e a democracia que tanto nos custou".
"O presidente Pedro Castillo deu um golpe de Estado. Ele violou o artigo 117 da Constituição peruana e passou à ilegalidade. Isso é um autogolpe", comentou à AFP o analista político Augusto Álvarez.
Dezenas de manifestantes pró e contra o presidente se concentravam em frente ao Parlamento desde antes do pronunciamento, à espera do debate sobre a destituição de Castillo.
Onda de renúncias
Após o pronunciamento, vários ministros do governo e funcionários de organismos internacionais anunciaram suas renúncias aos cargos através das redes sociais e em declarações à imprensa.
"Não estou em condições de servir a um governo ditatorial, que violou a lei e a Constituição", disse à rádio RPP Harold Forsyth, representante permanente do Peru na Organização dos Estados Americanos (OEA).
"A partir de hoje, Castillo está na triste fila dos ditadores", disse à mesma rádio o ex-presidente peruano Ollanta Humala ((2011-2016).
O anúncio de Castillo ocorre pouco mais de 30 anos após o autogolpe do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que dissolveu o Congresso em 5 de abril de 1992.
O Congresso do Peru, dominado pela direita, debateu nesta quarta-feira uma moção de impeachment de Castillo por "incapacidade moral", uma figura constitucional que já levou à saída de dois ex-presidentes desde 2018.