ORÇAMENTO SECRETO

Em julgamento no STF, Rosa vota por tornar orçamento secreto inconstitucional

Relatora diz que verbas reservadas a parlamentares por meio de emendas de relator devem ser realocadas por ministérios em outros projetos

Rosa Weber - Carlos Moura/STF

Em um revés para o Congresso, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, votou por tornar inconstitucional as chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto, usadas por parlamentares para enviar recursos a seus redutos eleitorais sem serem identificados.

A ministra, que é relatora de quatro ações que discutem a legalidade do mecanismo, apontou que o formato permite um "desvio de finalidade" do uso do dinheiro público e "desequilibra o processo democrático" ao beneficiar apenas alguns políticos. Rosa foi a primeira dos 11 ministros da Corte a votar.

Ela ainda defendeu a realocação das verbas de emendas de relator — identificadas no Orçamento pelo códio RP-9 — para projetos existentes de ministérios em áreas correlatas.

— A controvérsia sobre o orçamento secreto não se restringe, entretanto, à exorbitância aos valores designados ao relator geral do orçamento em cotejo com os valores destinados às demais emendas. Mais alarmante do que a amplitude do orçamento Federal posto sob o domínio de um único parlamentar, somente as negociações em torno do destino a ser dado a esses recursos — afirmou a ministra.

As ações que estão sendo julgadas pelo Supremo foram propostas em 2021 por partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL): Cidadania, Rede, PV e PSOL.
 

— Dotações contempladas na rubrica RP-9 sequer têm buscado justificar qualquer correlação com os objetivos e metas federais. Estabelecem uma pauta secreta de projetos vinculados a interesses de parlamentares incógnitos e desvinculada de diretrizes de política fiscal e respectivas metas — disse Rosa.

A modalidade de emenda parlamentar chamada de "orçamento secreto" foi criada em 2019 e passou a valer a partir de 2020. Neste formato, todas as indicações aparecem em nome do relator do Orçamento, embora tenham sido destinadas por deputados e senadores aliados. Diferentemente das outras formas de repasses, como as emendas individuais, elas não têm distribuição igualitária entre parlamentares.

— Trata-se de "orçamento secreto", não se sabe quem são os parlamentares integrantes do grupo privilegiado, não se conhecem as quantias administradas individualmente, não existem critérios objetivos e claros para a realização das despesas. Tampouco observam-se regras de transparência na sua execução — disse a ministra em seu voto.

Afirmou ainda a presidente do STF:

— Ao converterem-se as leis orçamentárias, em instrumentos de promoção da cultura patrimonialista, o orçamento público deixa de servir à função de planejamento e de controle das ações estatais. Na realidade, quando o orçamento público adquire significado apenas formal, longe de evitar excessos e desperdícios, torna-se o próprio instrumento de legitimação do abuso e do arbítrio com o dinheiro público.

A relatora disse que "não apenas a identidade dos efetivos solicitadores", mas também o próprio destino desses recursos viabilizados pelas emendas de relator "acha-se recoberto por um manto de névoas".

O julgamento será retomado nesta quinta-feira (15) com o voto do ministro André Mendonça, que é o primeiro a votar seguindo a ordem de antiguidade dos ministros da Corte.

Ao longo de seu voto, a ministra fez duras críticas à falta de transparência das emendas e da possibilidade da alocação de recursos à margem dos preceitos previstos na Constituição. Rosa citou escândalos como os "Anões do Orçamento" e "Máfia das Sanguessugas" e disse que os atos que possibilitam o orçamento secreto são "patrimonialistas e obscuros".

— A utilização indevida das emendas parlamentares para satisfação de interesses eleitorais representa grave ameaça à concepção dos objetivos fundamentais da república, consistente em promover o desenvolvimento nacional equilibrado e sustentável, reduzir as desigualdades sociais e regionais e erradicar a pobreza e a marginalização – afirmou Rosa.

Proposta não impede julgamento
Antes de começar a leitura de seu voto, a presidente do Supremo informou ter recebido, na manhã desta quarta, um ofício do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentando o projeto de resolução. Mas, segundo a ministra, a proposta, embora "louvável", não prejudica o julgamento já iniciado na última quinta-feira.

— Eu cumprimento o presidente do congresso nacional pelo ofício a demonstrar a abertura do parlamento ao saudável e democrático diálogo interinstitucional. Entendo, contudo, que a preocupação do Congress Nacional de se debruçar sobre a transparência das emendas de relator, estabelecendo critérios de proporcionalidade, confirma a adequação da liminar que exarei nesses autos que foi referendada, além de confirmar a impropriedade do sistema até então praticado — afirmou Rosa.

Em dezembro de 2021, a ministra deu uma liminar determinando que o Congresso adotasse medidas de transparência para as emendas RP-9. Apesar da criação do Sistema de Indicação Orçamentária (Sindorc), o Legislativo acabou descumprindo a maior parte das determinações da Corte, e manteve determinadas origens das emendas desconhecidas.

Pelas novas regras propostas pelo Congresso nesta terça-feira, mas ainda não votadas, 80% do valor serão distribuídos proporcionalmente, de acordo com quantos representantes a sigla elegeu em outubro, e caberá ao líder do partido fazer a divisão interna, definindo quanto cada deputado e senador poderá indicar. A proposta reserva ainda uma fatia menor, de 7,5%, para que o presidente do Senado, e outros 7,5% para que o da Câmara, decidam para onde enviar. A prerrogativa de indicação dos 5% restantes ficaria com o relator-geral do Orçamento e com o presidente da Comissão Mista do Orçamento do Congresso.