MÚSICA

Pastor evangélico que gravou com Caetano fala em hino racista e gera polêmica entre cristãos

Depois de ser duramente criticado, Kléber Lucas foi defendido por religiosos com vertentes ideológicas que se assemelham à sua, de esquerda

Kleber Lucas e Catetano - Imagem Reprodução Instagram/ @kleberlucas

O pastor e cantor gospel Kléber Lucas, que recentemente regravou o seu maior sucesso (“Deus cuida de mim”) com Caetano Veloso, foi para o centro de uma polêmica ao declarar que considera o hino cristão “Alvo mais que a neve” racista. A fala foi em entrevista a Caetano, na última semana, em coluna do Mídia Ninja, portal de notícias independente.

"Tem um hino que fala o seguinte: ‘alvo mais que a neve’. Se você aceitar Jesus, você vai ficar branco como a neve. Isso é cantado por brancos e negros com lágrimas, porque tem uma melodia lindíssima. O discurso, às vezes nefasto, de dominação, está embalado nessa beleza, em uma memória familiar, comunitária. Mas as ideias de embranquecimento estão lá no hino", disse o pastor.

Segundo Kléber, essa “teologia preta” da qual ele é adepto é uma maneira de “pensar o sagrado de uma maneira não-eurocêntrica”.

Grupos de cristãos partiram para o ataque e criticaram a visão do pastor. “É isso que acontece quando a ideologia e a militância se sobrepõem ao Evangelho. Kléber Lucas, por acaso Jesus também errou quando falou: ‘Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida’?”, publicou a vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes, de São Paulo.

“Falar que o hino é usado como instrumento de perpetuação do racismo é ignorância ou maldade mesmo”, disse o pastor Cristiano Gaspar. “Alguém avisa para o Kléber Lucas que esse trecho foi retirado de uma passagem bíblica, por favor? Ele distorceu a passagem”, publicou uma internauta. “Vamos dar uma Bíblia de presente de natal para o Kléber, gente. Ele rasgou a dele”, sugeriu, em tom de deboche, um terceiro crítico do pastor.

Uma religiosa chegou a levantar a suspeita de que “a esquerda” estaria usando Kléber “para atrair os evangélicos na tentativa de desconstruir a Bíblia, os bons costumes e a família”. Em uma onda de boicote ao pastor, variações de comentários como “tirando qualquer música sua da minha playlist agora” e “me passem o endereço da igreja dele por favor, para eu não correr o risco de ir lá sem querer” pipocaram na web.

Ao som de "Deus cuida de mim”, Kléber também compartilhou uma mensagem de ódio que recebeu privadamente. “Você além de burro é muito idiota. Comunista idiota, filho do diabo”, dizia o texto.

Teologia preta: histórico de pesquisa no assunto

A discussão a respeito de racismo em hinos cristãos, no entanto, não surgiu na entrevista para Caetano. A tese de mestrado de Kléber Lucas em História Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro debateu esse tema. De título “‘Alvo mais que a neve’: uma comparação entre o discurso cristão Batista e os ideais raciais no Brasil dos séculos XIX e XX”, a tese virou até livro, publicado em 2021.

Religiosos que partilham da mesma visão de mundo de Kléber foram às redes para defendê-lo. “Kléber Lucas dando aula de teologia negra histórica”, escreveu o perfil “afrocrente”. Outra pessoa relembrou o histórico do pastor no assunto. “Nada do que foi dito veio do acaso, é resultado de muito estudo e dedicação. Quem está berrando são fundamentalistas que, da mesma forma que não sabem ler a Bíblia, também não sabem ler um texto acadêmico. Se é que leram”, disse.

“O problema não está na discordância, mas na preguiça de ler 182 páginas antes de opinar ou criticar”, concordou outra.

Em seu perfil no Instagram, o pastor compartilhou essas e outras mensagens de apoio entre selfies e fotos de um passeio na praia. Muitas das vezes, com “Deus cuida de mim” tocando ao fundo. “O mar é para todos”, escreveu, junto de uma foto sua dentro da água.

“Kleber Lucas seria menos criticado se defendesse tortura ou botasse fogo em terreiros. Isso se fosse criticado”, escreveu um usuário do Twitter.

Em meio ao turbilhão de opiniões e enfrentamentos entre visões de mundo diferentes, Kléber compartilhou uma publicação que coloca lado a lado duas representações de Jesus: um negro e um branco, o que é tido como “a norma” do personagem histórico-religioso. Embaixo das imagens, o pastor escreveu: “Jesus eu já sei e quem é, agora, quem é o branco?”