INTERNACIONAL

Deputados espanhóis votam 'lei trans' que divide esquerda no poder

Lei permite a mudança de gênero livremente a partir dos 16 anos

Pandemia: pessoas de máscara na Espanha - Josep Lago/AFP

O projeto da "lei trans", que permite a mudança de gênero livremente a partir dos 16 anos, deve ser votado nesta quinta-feira (22) no Congresso dos Deputados da Espanha, após meses de tensões no governo de esquerda e no movimento feminista.

Iniciativa emblemática do partido radical de esquerda Podemos, aliado dos socialistas no governo de coalizão liderado por Pedro Sánchez, o texto recebeu 188 votos a favor, 150 contra e sete abstenções. Agora, o processo continuará no Senado.

Se os deputados aprovarem o projeto — como se prevê — e ela passar pelo trâmite do Senado nas próximas semanas, a Espanha se tornará um dos poucos países do mundo a autorizar a autodeterminação de gênero.

A Dinamarca foi o primeiro país europeu a conceder esse direito a pessoas trans, em 2014.

De maneira definitiva, a nova legislação deve permitir que uma pessoa transgênero mude seu nome e a menção relativa ao sexo em seus documentos, por meio de uma solicitação no Registro Civil.

Até agora, essa modificação era permitida apenas para maiores de idade que apresentassem um laudo médico e confirmarem terem feito tratamento hormonal por pelo menos dois anos.

- "Orgulho" -
"Que alegria e que orgulho", comemorou o Podemos no Twitter. “Reparamos uma dívida histórica e reafirmamos que os direitos das pessoas trans são direitos humanos”, acrescentou.

“Mulheres trans são mulheres”, defendeu na quarta-feira a ministra da Igualdade, Irene Montero, principal promotora do texto, declarando que a aprovação do projeto é uma resposta contra a "transfobia".

A iniciativa também deve permitir que jovens com idades entre 14 e 16 anos possam mudar a menção de sexo no Registro Civil, desde que auxiliados por seus responsáveis legais no decorrer do processo. Para a faixa entre 12 e 14 anos, é necessário aval da Justiça. Hoje, todos os menores devem obter essa autorização de um juiz.

Para todos os casos, a lei prevê que o solicitante vá ao Registo Civil no prazo de três meses a contar do primeiro comparecimento para ratificar seu pedido, “asseverando a persistência em sua decisão” de mudar de gênero.

- Divisões profundas -
Aprovado pelo Conselho de Ministros há mais de um ano, esse projeto de lei provocou fortes tensões entre o Podemos, que fez dessa iniciativa um pilar central de sua ação governamental, e os socialistas de Sánchez, que tentaram, em vão, modificar o texto.

A mudança gerou profundas divisões entre aquelas que concordam com a visão de Irene Montero e militantes feministas históricas em guerra aberta contra o projeto.

"Quando o gênero é reivindicado em cima do sexo biológico (...) me parece um retrocesso” para as mulheres, avaliou a ex-número dois do governo Sánchez, a socialista Carmen Calvo, em entrevista ao jornal El Mundo em setembro.

"O Estado tem que responder às pessoas trans, mas o sexo não é voluntário, nem opcional", acrescentou. Ela alerta para os riscos jurídicos que a lei pode acarretar.

Em uma perpetuação desses temores, os socialistas apresentaram uma emenda para estender a necessidade de autorização judicial para jovens de 14 a 16 anos. A proposta foi rejeitada.

Aceitando sua derrota, o partido de Sánchez votou a favor do texto como estava. A exceção foi Carmen Calvo, que quebrou a disciplina de voto do partido para se abster, segundo reportou a imprensa.

Esta lei "simboliza a maior derrota legislativa do PSOE contra o Unidas Podemos nesta legislatura" desde a formação do executivo no início de 2020, escreveu o jornal conservador El Mundo. Por sua vez, o El País (centro-esquerda) fala de "uma das leis que mais tem desgastado o governo da coalizão".

Em protesto contra a intenção de modificação do projeto de lei, a militante LGBTQIA+ e primeira mulher trans eleita deputada regional na Espanha, Carla Antonelli, deixou o Partido Socialista em outubro.

"Vimos um setor do PSOE e do feminismo passar de defensores dos direitos da minoria trans ao violento boicote da nossa própria existência", disse Antonelli na quinta-feira, em um artigo publicado no El País.

Entre outras disposições, o projeto de lei aprovado nesta quinta-feira pelos deputados também proíbe terapias de conversão da orientação sexual das pessoas LGBTQIA+, com multas que podem chegar até 150 mil euros.