O que o Brasil de 2026 pode aprender com a Argentina de 2022?
Controle mental e maior variação tática podem ajudar o País no sonho do hexacampeonato
Há mais de duas semanas, o torcedor brasileiro revive o mesmo pesadelo. Começa com a cena de Fred não ganhando na dividida. Aí Casemiro não consegue fazer a falta no meio-campo. O contra-ataque letal. O chute de Petkovic que desvia em Marquinhos. A bola que passa por Alison e entra. O pênalti de Rodrygo que Livakovic defende. O de Marquinhos na trave. Tite indo embora. Neymar chorando. O fim do sonho do hexa. Tudo preso em um círculo de decepção que termina e se inicia ininterruptamente. Uma hora, porém, precisa ser quebrado. A próxima Copa é em 2026 e, até lá, algumas lições devem ser aprendidas. O professor delas pode ser justamente a ganhadora da taça no Catar, a Argentina. Ninguém gosta de ver o rival comemorando, mas talvez seja possível observar a atual campeã do mundo e extrair dicas para, quatro anos depois, deixar de ser espectador frustrado para ser protagonista da maior festa do futebol.
A Folha de Pernambuco separou alguns pontos em que o Brasil pode se inspirar na Argentina para buscar, pela quinta vez seguida, o hexacampeonato, sonho frustrado desde 2006. Antes, é preciso salientar dois pontos.
Nem tudo estava errado
O primeiro é que o sucesso no futebol não é uma equação matemática. Há detalhes que fogem de qualquer plano tático, nível técnico ou capacidade física. Segundo: muitas das críticas que já circularam após a eliminação do Brasil não estarão aqui pelo simples fato de que na campeã Argentina alguns comportamentos se repetiram. Prova de que, na prática, seu peso foi inexistente.
“Pintar cabelo não ganha Copa”. Verdade. E nem faz perder, já que se fosse assim, o goleiro Emiliano Martinez não seria um dos heróis do título albiceleste. E o camisa 1 também gosta de dançar, assim como os brasileiros.
Ausência de amistosos contra europeus também foi algo muito falado. No Ciclo para a Copa de 2022, o Brasil fez apenas um, contra a República Tcheca. É necessário destacar que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tentou marcar mais embates com seleções do Velho Continente, mas não conseguiu. E a Argentina? Os hermanos fizeram apenas dois, sendo um contra a Alemanha e outro perante a Estônia. Houve um duelo perante a Itália, mas foi pela finalíssima. Diferença pequena para dizer que esse foi o trunfo dos sul-americanos no Catar.
1 - Variar taticamente é fundamental
O primeiro ponto que fez a diferença para a Argentina e faltou ao Brasil foi a variação tática. Enquanto Lionel Scaloni soube compreender os erros na estreia e montar uma equipe diferente para cada adversário na Copa, acionando reservas como Enzo Fernandez e Julian Álvarez, Tite não demonstrou variação, fazendo trocas de peças com característica semelhante, nos casos de Raphinha/Antony e Vinícius Júnior/Rodrygo, por exemplo.
"A Argentina tinha um modelo consolidado, mas Scaloni percebeu a necessidade de fazer as mudanças que cada jogo pedia. Copa do Mundo se ganha e perde por detalhes”, afirmou o jornalista dos canais ESPN, Leonardo Bertozzi.
“Scaloni deu um show em Tite. O time que chegou embalado na Copa tinha Lo Celso, Paredes e Di Maria. O primeiro se machucou antes, o segundo perdeu espaço e o terceiro se lesionou durante o mundial, mas ainda assim ele remontou o time de acordo com cada adversário. Já Tite ficou muito preso e, quando mudou, foi apenas defensivamente, com Militão e Fred. Mesmo ele sendo o melhor treinador do Brasil, foi reprovado neste quesito”, declarou o comentarista da Hits FM, Marcos Leandro.
2 - Futebol também se ganha com a cabeça
A Argentina estreou perdendo para a Arábia Saudita, mas soube manter o psicológico forte para avançar de fase. Nas quartas e na final, chegou a abrir 2x0 e sofreu o empate, mas teve frieza nas penalidades para sair campeã. O Brasil, por outro lado, desabou após tomar o gol de empate perante a Croácia e demonstrou fragilidade mental.
“Mentalmente, os argentinos foram para o fundo do poço depois da derrota contra a Arábia Saudita. Estavam devastados, mas se recuperaram. Não foi a melhor Argentina que o Messi jogou, mas foi a melhor criada para ele jogar e que explorou o máximo dele”, apontou Paulo Calçade, comentarista dos canais ESPN.
“O Brasil sentiu muito o gol tomado faltando quatro minutos. Em uma Copa é preciso se controlar mais. A Argentina chegou com um peso maior por não ganhar o torneio há 36 anos, mas teve mais controle nos momentos difíceis”, frisou Marcos.
3 - O melhor cobrador abre as penalidades
Nas duas cobranças de pênaltis, nas quartas e na final, a Argentina colocou Messi, seu melhor batedor, para abrir. Escolha que deu confiança para os demais companheiros. O Brasil, contra a Croácia, deixou Neymar por último, optando por começar com Rodrygo. O melhor no fundamento nem teve a chance de cobrar.
"Os goleiros pegam mais pênaltis hoje em dia. Tem a pressão psicológica em finais e fica mais fácil não chegar ao último batedor. Isso (guardar principal cobrador para o fim) era uma cultura antiga, mas vem mudando. É um ponto a ser refletido. Isso pode ocorrer mais vezes. Faltou a Tite também tomar essa decisão", apontou Marcos.
4 - Ter um camisa 10 decisivo
Messi chamou a responsabilidade na Argentina. Mas o camisa 10 também foi generoso em ajudar no jogo coletivo da equipe. Em 2026, Neymar pode assumir o mesmo papel para comandar a Seleção no mundial que deve ser o último de sua carreira?
"Neymar fez um golaço contra a Croácia, driblando o goleiro, em um momento difícil. Se não fosse o gol sofrido no final, estaríamos falando do poder de decisão que ele teve naquele jogo. Mas Messi é um dos maiores da história e cobrar que outros façam o que ele faz é tentar colocar alguém em um patamar que só Messi tem. Mas acho importante Neymar seguir na Seleção", apontou Bertozzi.
"Foram três Copas com problemas de contusão. Isso vai além da casualidade. O estilo dele é diferente do estilo de Messi. O argentino joga mais para a equipe, para fazer gol. Neymar se preocupa mais com ele. Enquanto for assim, as coisas não vão rolar. Quando ele se preocupar com a Seleção, em fazer gol, ser útil, será reconhecido como um dos grandes jogadores que surgiram no futebol brasileiro", completou Calçade.
Nem tudo que reluz é ouro
Calçade, contudo, faz um alerta."É possível ganhar o título fazendo algo errado também. Scaloni era um técnico interino, mas foi ficando e acabou campeão. No último minuto, o goleiro deles defendeu uma bola fantástica que fez a Argentina ser campeã e virou exemplo. Não se pode dizer que tudo que a Argentina fez foi correto.”