Bolsonaro sem foro privilegiado: investigações contra presidente sairão do guarda-chuva do STF
A partir de 1º de janeiro, parte dos processos será enviada para a primeira instância, e passarão a tramitar sob a responsabilidade de diferentes delegados, procuradores e juízes
Ao deixar o Palácio do Planalto em 1º de janeiro, Jair Bolsonaro perderá o foro privilegiado, condição que mantém as investigações criminais relacionadas a ele no Supremo Tribunal Federal (STF). Durante os seus quatro anos de mandato, o atual mandatário fez recorrentes ameaças e ataques aos integrantes da Corte.
A partir do mês que vem, porém, parte dos processos a que Bolsonaro responde será enviada à primeira instância. Isso significa que eles passarão a tramitar sob a responsabilidade de diferentes delegados, procuradores e juízes. Ao menos três investigações em curso no STF devem ser remetidas à Justiça Federal, duas delas em fase final.
Um desses inquéritos preocupa mais o entorno do chefe do Executivo. Nele a PF já concluiu que Bolsonaro cometeu o delito de “incitação ao crime”, com pena prevista de detenção de três a seis meses, por incentivar a população a não usar máscaras por meio da divulgação de notícias falsas em uma live. A PF também sustentou no mesmo caso que, ao associar falsamente a vacina da Covid-19 ao desenvolvimento do vírus da Aids, o presidente cometeu uma contravenção (ilegalidade de menor potencial ofensivo) de “provocar alarme a terceiros, anunciando perigo inexistente”.
O caso está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Em agosto, a PF pediu autorização para indiciar Bolsonaro pelo delito de incitação e tomar o seu depoimento, mas ainda aguarda a decisão do magistrado.
Quando o processo chegar à primeira instância, a PF não precisará mais de autorização judicial para indiciar Bolsonaro nem para ouvi-lo. Isso poderá ser feito a qualquer momento, já sob a nova gestão do governo Lula.
Um segundo caso também está em fase final. Este tende a ser arquivado. Os investigadores não identificaram crimes nas interferências feitas por Bolsonaro na PF. Esse inquérito foi aberto após o ex-ministro Sergio Moro acusar o presidente de ter atuado indevidamente na corporação para ter acesso a informações de seu interesse. Com base na análise da PF, a Procuradoria-Geral da República também solicitou o arquivamento. O relator, Alexandre de Moraes, não chegou a despachar o pedido.
Caso ele não decida até o dia 31 de dezembro, o desfecho deverá ocorrer na primeira instância. Com isso, o procurador que assumir o caso pode reanalisar as provas e avaliar se há elementos para apresentar uma denúncia contra Bolsonaro ou manter o pedido de arquivamento.
Uma terceira linha de apuração ainda está em fase inicial e envolve suspeitas de corrupção no Ministério da Educação sob a gestão de Milton Ribeiro. O caso foi remetido ao STF depois que Ribeiro citou o presidente em uma interceptação telefônica, dizendo ter sido avisado que poderia ser alvo de buscas. A relatora, ministra Cármen Lúcia, solicitou ao delegado Bruno Calandrini a definição das diligências para investigar se Bolsonaro tentou interferir ilegalmente na investigação.
Com a perda do foro, essas diligências deverão ser conduzidas sob o crivo da Justiça Federal do DF, mas continuarão com o mesmo delegado. Durante a apuração, Calandrini chegou a afirmar publicamente que a gestão da PF tentou interferir na investigação.
Milícias digitais
Ainda não há clareza sobre o destino de investigações que apuram a relação de Bolsonaro com milícias digitais, que atacam instituições democráticas e disseminam fake news. Como também apuram a atuação de parlamentares, que continuarão com foro privilegiado, é possível que os casos continuem no STF.
O mesmo deve acontecer com um inquérito aberto a partir das conclusões da CPI da Covid para apurar a atuação de Bolsonaro e parlamentares na disseminação de notícias falsas sobre a doença.
Na primeira instância, os inquéritos serão distribuídos de forma aleatória a procuradores que gozam de independência funcional e decidirão se apresentam acusações penais contra Bolsonaro. Enquanto presidente da República, o chefe do Planalto só pode ser eventualmente responsabilizado na esfera criminal pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Em diversas ocasiões, Bolsonaro negou que tenha cometido as irregularidades das quais é acusado nos inquéritos o Supremo.