novo governo

Conflitos entre aliados provocam impasse incomum na montagem do governo Lula às vésperas da posse

A cinco dias da posse, petista ainda tem 16 vagas a preencher numa formação que só não foi mais demorada na redemocratização do que a de Fernando Collor

Lula - Reprodução/Youtube

A cinco dias da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disputas envolvendo partidos que devem compor a futura base aliada têm atrasado a definição dos nomes que faltam na equipe ministerial. O petista ainda tem 16 vagas a preencher, numa formação que só não foi mais demorada na redemocratização do que a de Fernando Collor, que concluiu o primeiro escalão um dia antes de tomar posse, em 1990. Entraves no PSD, MDB e União Brasil fazem com que a composição da Esplanada não esteja resolvida às vésperas do início do governo.

No PSD, por exemplo, integrantes do partido dizem haver um impasse diante da intenção de Lula de destinar as duas vagas reservadas à legenda a dois senadores — Carlos Fávaro (MT), na Agricultura, e Alexandre Silveira (MG), em Minas e Energia. O gesto pode criar uma crise interna, uma vez que desde o início das negociações com o governo eleito, o presidente da legenda, Gilberto Kassab, indicou que haveria um nome da Câmara e outro do Senado, para que todas as alas pudessem ser contempladas. Entre os deputados, Pedro Paulo (RJ) havia sido escolhido pela bancada e era cotado para assumir o Ministério do Turismo, mas teve o nome vetado por aliados do petista.

Na segunda-feira, o líder da legenda na Câmara, deputado Antonio Brito (PSD-BA), esteve no hotel para conversar com Lula e tentar resolver a questão. Nos bastidores, um parlamentar experiente do PSD no Congresso afirma que, caso a opção seja mesmo por dois senadores, o novo governo terá de lidar logo no início com uma grande insatisfação da bancada, que terá 42 deputados no ano que vem, a quinta maior da Câmara.

Além do PSD, Lula tenta superar resistências no PT para fechar aliança com o União Brasil. O partido pressiona pela nomeação do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) na pasta de Integração Nacional e da senadora eleita Professora Dorinha (TO) para o Ministério das Cidades. O parlamentar baiano conta com um cabo eleitoral poderoso, o presidente da Câmara, Arthur Lira, (PP-AL), mas pesa contra sua indicação a rejeição de petistas na Bahia, em especial do governador e futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do próximo líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Aliados do novo governo lembram que, durante a campanha eleitoral, Nascimento fez discursos nos quais chamava Lula de “ex-presidiário” e “condenado”.

Centrão
Entre petistas baianos a avaliação é que Nascimento, ao lado do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União-BA), é o principal articulador da direita no estado, onde fez oposição aos governos petistas e atuou a favor do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Chamar Elmar é quase como convidar ACM Neto para ser ministro", afirma o deputado federal Jorge Solla (PT-BA).

Integrantes do PT também trabalham para evitar que Lula entregue o Ministério da Integração Nacional a um parlamentar do Centrão. A pasta é responsável pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), um dos principais destinos de recursos via emendas de relator, a base do orçamento secreto. Na leitura de petistas, ao tentar comandar a Integração Nacional, Nascimento quer manter seu poder sobre a estatal. Apesar da resistência, as negociações em torno do nome do deputado na pasta estão avançadas e, por enquanto, não há um “plano B” do União Brasil para substitui-lo.

Para acomodar o União no governo, porém, Lula terá de resolver um imbróglio com o MDB, outro partido que tenta levar para a sua base. O presidente eleito cogita entregar o Ministério das Cidades para a senadora Simone Tebet (MS), peça importante no segundo turno das eleições, mas a pasta também é reivindicada pela bancada do partido na Câmara, o que criou uma saia- justa interna. Uma solução discutida ontem foi nomear Tebet no Planejamento (mais informações abaixo).

Ontem, em hotel da região central de Brasília, Lula esteve com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o futuro ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha — o trio debateu os problemas que envolvem o anúncio dos ministros restantes na Esplanada. A tendência é que a apresentação dos 16 indicados seja feita até quinta-feira.

Outros governos
Em 2002, quando foi eleito pela primeira vez, Lula também demorou a escolher a sua equipe e começou a anunciar os nomes após um mês e meio da vitória nas urnas contra o tucano José Serra. No entanto, no dia 23 de dezembro, todos os ministros já haviam sido apresentados pelo petista.

O novo governo contará com 14 pastas a mais que o do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). Em 2018, o chefe do Executivo finalizou sua equipe de 22 ministros (posteriormente, viraram 23) no dia 10 de dezembro, 21 dias antes da posse.

Na opinião do cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a demora de Lula reflete a dificuldade nas eleições deste ano, vencida em consequência da proposta de construir uma frente ampla, iniciada desde o momento em que escolheu Geraldo Alckmin (PSB) como vice-presidente.

"A vitória só foi possível pela articulação entre diferentes partidos, e a composição ministerial precisa abarcar nomes de todas essas siglas, o que gera uma dificuldade. Outro aspecto é a herança do governo Bolsonaro que centralizou os ministérios e modificou o organograma", afirma Baía.

Antes de Bolsonaro, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) montou uma equipe com 37 ministros, que foi completamente divulgada no dia 22 de dezembro.

Na mesma data de Dilma, Fernando Henrique Cardoso também finalizou sua equipe. No dia 22 de dezembro de 1994, o tucano completou as 20 nomeações e fez anúncios inesperados como a criação do Ministério Extraordinário dos Esportes, que foi ocupado por Pelé até 1998, quando o jogador deixou o governo e a pasta foi extinta.

Fernando Collor de Melo, por sua vez, foi mais lento do que Lula. Em 1990, o primeiro presidente eleito após a redemocratização assumiu a Presidência em 15 de março. A equação só foi fechada no dia anterior, com o anúncio de Francisco Rezek no Itamaraty. Um dia antes, Alceni Guerra havia sido oficializado na Saúde.