Henry Koster, de Liverpool ao Recife, no século XIX
De Liverpool ao Recife, no dia 7 de dezembro de 1809, “à procura de bons ares para seus pulmões”, aportou no Recife o inglês Henry Koster, atravessando o oceano a bordo do navio Lucy (sugestivo nome). Pernambuco foi uma feliz escolha - avaliada, na época, por alguns amigos - sobretudo pelo excelente clima da província. Ancorado no porto do Recife, após mais de trinta dias de viagem, testemunharam os viajantes inúmeros navios aportados e alguns com bandeira inglesa, como o Lucy.
Descreveu Koster, naquele tempo, a paisagem do Recife como uma planície baixa que “não podia ser vista vindo do mar senão a uma certa distância, situada sobre um banco de areia muito baixo, a cidade parecia sair das ondas”. Vislumbrou, ainda, Olinda afirmando que, ”a cidade de Olinda é construída sobre um outeiro, que observada do mar, é do mais agradável efeito. Igrejas e conventos que se elevam sobre os cimos e os flancos da colina, seus jardins e suas árvores, semeados aqui e além entre as casas, dão a mais alta idéia de sua beleza e extensão”. Sobre o Porto, impressionou-se com os navios ancorados como se estivessem escondidos diante dos rochedos dos arrecifes, cujas ondas lhe rebentam com furor.
A vila de Santo Antônio do Recife era dividida em três partes que se comunicavam por duas pontes. Uma parte era chamada de Recife, que crescera sobre o arrecife. A segunda parte, um extenso banco de areia, onde foi construído Santo Antônio, na antiga ilha de Antônio Vaz. E a
terceira chamava-se Boa Vista, situada mais ao sul do continente. Koster descreveu minuciosamente os três bairros e impressionou-se como a fúria das ondas bate sobre o recife de rochas, atingindo o cais e os armazéns da Vila.
As casas de tijolos a que se referia no Recife com vários andares seriam os sobrados altos e magros perfilados em ruas estreitas. Comentava: “são muito altos para a sua largura e a parte térrea serve para lojas, armazéns, oficinas, cocheiras e outros usos semelhantes”.
Aqui e acolá, assinalava, “uma casa não tem senão um andar”. Sobre o edifício da Alfândega, achou-o longo e baixo e admirou a igreja dos padres da Congregação da Madre de Deus, uma senhora de estilo Barroco das mais belas do século XVIII. Ainda comentou sobre o edifício do Palácio do Governador - antigo Colégio dos Jesuítas - a Tesouraria, a Casa da Câmara e a Cadeia, as casernas, os Conventos dos franciscanos, dos carmelitas e da Penha, e as inúmeras igrejas existentes, com interiores ornamentados com os retábulos dourados, e definiu Santo Antônio como “o principal bairro da cidade”.
Sobre o bairro da Boa Vista, fez comentários em relação à rua principal, afirmando ter sido “erguida em terreno antigamente batido no preamar, e que era formosa e larga”. Observou nas casas do bairro, as janelas com vidraças e balcões de ferro e a presença de gelosias (grade de ripas de madeira cruzadas). Observou, também, o comportamento das mulheres, comentando: ”as mulheres portuguesas e as brasileiras, e mesmo as mulatas de classe média, não chegam à porta de casa, durante todo o dia. Ouvem a missa pela madrugada, e não saem senão em palanquins, ou à tarde, a pé, quando, ocasionalmente, a família faz um passeio”.
Koster, com o seu olhar curioso, ainda fez abordagens sobre o sistema de defesa da cidade, citando os fortes do Buraco, do Brum e o grande forte de pedra de Cinco Pontas. A exemplo de Evaldo Cabral de Mello, observou que a cidade do Recife era suprida d’água transportada em canoas, de Olinda ou do rio Capibaribe. Comentava sempre entre amigos com convicção que “do ponto de vista comercial em relação à Grã-Bretanha, as exportações da Província estariam em primeiro plano, com os principais produtos açúcar, algodão e tabaco”. Em relação aos Estados Unidos, observou Koster, que chegavam ao Recife dezenas de navios, a cada ano, carregados de farinha, mobílias para casas de famílias e outros produtos.
Em 1812, Henry Koster toma posse do Engenho Jaguaribe, um dos primeiros engenhos criados no Brasil colônia, outrora pertencente a João Fernandes Vieira, somente conseguindo, Koster, a colheita de uma única safra. Em uma de suas narrativas sobre a casa do engenho, revelava que: ”era uma casa espaçosa, situada em uma colina com paredes branqueadas”. No interior da casa-grande, hoje, em ruínas, existia uma capela anexa à sala, com invocação à Nossa Senhora de Guadalupe. Mais tarde, possivelmente no século XVIII, ergueu-se uma segunda capela, próxima à casa-grande, com devoção a Santo Antônio. Em 1816, Koster publicou em Londres, o seu notável livro, “Viagens ao Nordeste do Brasil”, em várias edições.
Arquiteto, membro do CEHM, membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e Professor Titular da UFPE.
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