Música

Mestre Ambrósio reencontra público pernambucano, neste sábado (7), no Português, 20 anos depois

Formação original da banda volta a se apresentar no Recife, no Clube Português, neste sábado (7), quase duas décadas depois do último show

A banda pernambucana Mestre Ambrósio faz turnê com sua formação original - José de Holanda / Divulgação

Quase vinte anos após deixarem de tocar juntos, a formação original da banda pernambucana Mestre Ambrósio voltou aos palcos para uma turnê comemorativa em homenagem aos 30 anos de sua criação. No Recife, o reencontro será neste sábado (7), no Clube Português, em uma noite que também contará com a Orquestra de Bolso, o compositor, cantor e trombonista da Zona da Mata Nailson Vieira e a Dj Allana Marques.

No palco, Siba (vocal, guitarra e rabeca), Eder “O” Rocha (percussão), Helder Vasconcelos (fole de 8 baixos, percussão e coro), Sérgio Cassiano (vocal e percussão), Mazinho Lima (baixo e coro) e Mauricio Bade (percussão e coro) voltam a fazer o som original que tanto influenciou a música pernambucana e brasileira reverenciando a cultura popular, fonte de inspiração e universo de convivência de cada um dos integrantes. A turnê comemorativa começou em novembro passado e, após seis shows na capital e interior de São Paulo, agora chega ao Recife.

O grupo revisita o repertório dos três álbuns da carreira: “Mestre Ambrósio”, “Fuá na Casa de Cabral” e “Terceiro Samba”, incluindo sucessos como “Pé de Calçada”, “Se Zé Limeira Sambasse Maracatu”, “Vó Cabocla”, “Fuá Na Casa de Cabral” e outros sucessos, também levando ao palco a tradicional figura do Mestre Ambrósio, personagem do cavalo marinho vivido por Helder Vasconcelos. Além do retorno aos shows, a banda também lança a versão em vinil do primeiro disco da carreira, pelo selo Marafo Records.

Ensaios e reencontro com o público
Mesmo após tantos anos sem tocar juntos, o entrosamento não se perdeu com o tempo. A experiência de dividir estúdios e palcos desde 1992, passando por tantas turnês nacionais e internacionais em países como Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda, nos Estados Unidos  e pelo Japão entre os anos 1990 e o início dos anos 2000, ficaram guardadas em cada integrante.

“Foi surpreendente como a gente levantou rápido o repertório. Se encontrar, tocar e fazer novamente foi surpreendente. Ver como a gente ainda tinha uma memória corporal das músicas e o repertório saiu rápido, em dois ou três ensaios”, relata Helder Vasconcelos. Ele conta que nos shows a banda tem perguntado ao público quem já conhecia o Mestre Ambrósio e a resposta tem sido bastante dividida. “Tem muitas pessoas trazendo os filhos. E tem uma coisa de família que é muito forte. Aquele público antigo que trouxe a banda para casa e está levando os filhos para dar continuidade a isso”, completa Eder “O” Rocha.

Cultura Popular e resistência
Em comum a todos os integrantes está a noção de que mais importante do que o Mestre Ambrósio é a sua origem: a cultura popular. “Nesse jogo complicado de fazer uso dessa referência, a gente faz parte de uma coisa maior, que está sempre fertilizando a música popular brasileira. É importante marcar isso porque se a gente exagera a nossa importância, a gente fatalmente diminui a importância e relevância do que realmente importa, que é a cultura popular, um complexo de atividades culturais que pertencem ao povo e só existem separado da cultura brasileira por conta da exclusão e da desigualdade social que marcam esse País. Eu acho que um dos motivos da gente voltar é poder falar isso. Porque na época a gente era muito jovem para elaborar”, comenta Siba.

“Só existe essa referência da cultura popular como uma coisa separada porque o grosso da população desse país sempre esteve à margem do que a riqueza pode produzir de bom.  Por existir excluídos da riqueza do país é que a cultura dos excluídos é excluída também. E aí toda vez que a gente usa a cultura popular, essa mesma exclusão gera uma riqueza e uma força que mantém a música e a cultura do país viva. Isso é uma das coisas mais importantes que a gente tem para dizer hoje, depois de um tempo, reafirmar isso. A importância da cultura popular e o absurdo que é esse país ser tão desigual”, critica o cantor e compositor que costuma convidar aos palcos diversos mestres da Zona da Mata. 

“O grupo Mestre Ambrósio foi e é importante, mas a gente sempre precisa dizer que mais importante do que nós é a referência que a gente sempre teve, que é a da cultura popular”, destaca Siba, que lembra que desde o começo a banda faz questão de fazer referência aos nomes de mestres, lugares e tradições que não ficaram no passado e se renovam a cada dia. 

Turnê comemorativa pelos 30 anos da banda reúne a formação original quase duas décadas depois do último show | Foto: José de Holanda

Para além do Manguebeat
Apesar de ser contemporâneo ao Manguebeat, o grupo que não se limita naquele movimento estético, inclusive pela própria inversão do conceito. Enquanto Chico Science e companhia estavam “antenados” e absorvendo as influências mundiais para criar um estilo próprio, o Mestre Ambrósio fazia o percurso contrário, mais ligados às raízes populares da nossa cultura.

“O Mestre Ambrósio naquela época articulou e inverteu a lógica da presença da cultura popular da música. O próprio Manguebeat tinha essa tônica de ser uma música pop baseada no rock, no funk, no rap e que trazia a cultura popular como elemento local. A gente partiu do contrário. A gente era muito radicalmente da cultura popular e colocou os elementos que eram da nossa formação. E essa inversão na época era bem inovadora. Depois passou a ser uma das grandes correntes da música brasileira”, avalia Siba.

Em meios às diferenças, o Mestre Ambrósio foi uma das bandas que levaram a música pernambucana para além das fronteiras do Estado e do país. “A gente não veio isolado. Mesmo sem ter formatado um manifesto ou ter construído as mesmas palavras e o marketing do Manguebeat, a gente estava ali dividindo a mesma necessidade, a mesma cidade e a mesma movimentação. (...) Mesmo Chico Science e Mundo Livre despontando ali, tinha a ideia de que a gente queria mostrar o Recife. A gente já nasceu dentro de um contexto mais amplo e isso nos dimensiona. Que o nome tenha sido Manguebeat ou qualquer um outro, o mais importante era essa dimensão de que a gente estava mostrando um fazer que era muito maior e não se resumia em uma única banda. Isso foi uma coisa muito legal. Para a gente enquanto banda e, claro, pela cultura popular”, opina Helder.

“Quando a gente olha para a cultura popular é que a gente vê uma igualdade ali. Que é uma igualdade de base que constrói todo o resto. Todos os movimentos que surgiram antes mesmo do Manguebeat vieram dessa mesma vertente. A Tropicália vem da cultura popular. Aí você escuta o disco do Gilberto Gil está lá a banda de Pífano de Caruaru fazendo a coisa acontecer. E a gente não pode se apropriar e ser maior do que isso porque é isso que constrói o nosso trabalho. Quando não se olha para isso, é porque se apropria disso de uma forma como sempre se apropriou da riqueza do país. Um sistema que oprime tudo isso, que é o sistema governamental do Brasil, tem que ser mudado. Então, quanto mais temos pessoas falando sobre isso, mais fortalecemos para que esse sistema mude”, enxerga Eder. 

Helder Vasconcelos, Siba e Eder "O" Rocha comentaram sobre o retorno da banda aos palcos

Mestre Ambrósio 20 anos depois
“Retomar esse repertório e a nossa dinâmica de palco foi legal para de algum modo reavivar essa percepção de que a gente naquela hora fez isso, não vou dizer com ineditismo, mas com uma força renovada. E isso deixou uma marca muito forte na música brasileira e esse era um dos motivos necessários para essa volta: lembrar às pessoas que a gente fez isso nos anos 90 na música brasileira e que ficou”, Siba.

“A conquista nossa é a quantidade de pessoas que começaram a olhar para as brincadeiras e para os brinquedos com um respeito maior. Acho que essa ponte que o Mestre Ambrósio fez foi essencial tanto para o nosso trabalho quanto para as pessoas que nos acompanham observar a essência disso tudo. A fortaleza  a cultura popular sempre existiu, muito forte e muito verdadeira. E não é agora que elas estão surgindo, as pessoas que estão se aproximando mais”, comenta Eder “O” Rocha.

“Além da idade e da percepção, acho que a  própria movimentação política do país e no mundo é diferente de agora. Então, essas pautas todas vêm à tona. A cultura popular tem um link de exclusão no qual está o negro, a mulher, os movimentos LGBTQIA+. Isso tudo explodiu agora e a cultura popular também tem o seu grito de conexão com tudo isso. Tem uma voz, um grito que é o mesmo. Do lugar das minorias”, reflete Helder Vasconcelos.