'Camping' improvisado e celulares vistoriados: saiba como é a rotina dos 1,2 mil detidos pela PF
Uma série de fake news sobre tratamento precário e até de morte entre os manifestantes golpistas se espalhou nas redes sociais pela madrugada, mas logo foram desmentidas
Em um amplo ginásio esportivo, a 18,5 km da Praça dos Três Poderes, em Brasília, a maioria das cerca de 1,2 mil pessoas detidas na segunda-feira em frente ao acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército ainda aguardava ser interrogado e ter os dados recolhidos na manhã de hoje. Entre esteiras de corrida e traves de futebol, o grupo motou as barracas que carregavam nas mochilas, tranformando a área que costuma ser usada para cursos e treinamentos de policiais federais em uma espécie de "camping".
Boa parte deles, contudo, diz ter passado a noite em claro, preocupados com a possibilidade de amanhecer atrás das grades. O ginásio da Academia Nacional da Polícia Federal está sendo usado como ponto de triagem de quem foi detido, antes de serem levados para a penitenciárias de Brasília.
"Eles estão muito aflitos, nunca passaram por uma situação de prisão. Muitos ainda acreditaram que não estavam sendo presos. Que os ônibus só iriam levá-los para a rodoviária", disse a advogada Samarah Motta, que está atendendo um grupo de 30 presos.
Pela manhã, uma romaria de parlamentares bolsonarista visitou o local sob o pretexto de verificar as condições as quais os detidos foram submetidos. Uma série de fake news sobre tratamento precário e até de morte entre os manifestantes golpistas se espalhou nas redes sociais pela madrugada, mas logo foram desmentidas. Entre os que foram ao local estava o ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro, o deputado Marcelo Álvaro (PL-MG), além do deputado Neucinio Fraga (PP-BA), a deputada Bia Kicis (PL-DF) e o senador Marcos do Val (Podemos-ES).
"Eles estão aflitos, naquela ansiedade de que vai acontecer alguma coisa e não vai. Mas eles estão sendo bem tratados. A academia não estava preparada para receber todo mundo e a PF teve que adaptar toda uma estrutura para isso. Eu falei para eles (os manifestantes) que estão pagando por estarem no lugar e na hora errada", disse o senador.
A PF montou um sala para atendimento médico para quem precisasse e outra para abrigar integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a firm de fornecer assistência jurídica aos detidos.
Alguns amigos e familiares de presos também foram à PF com cobertores, travesseiros, frutas e outros itens ao longo desta terça. Nem todos, contudo, conseguiu entrar.
"Vim aqui trazer remédios e repelente para a minha tia que tem pressão alta", disse o bombeiro Carlos Eduardo. Segundo ele, a parente era cozinheira do acampamento. A PF, no entanto, não permitiu que ele entrasse.
Outra que teve o ingresso impedido foi a baloeira Damiana Becket, que foi ao local atrás de informações sobre um colega de baloagem preso no QG. De dentro do ginásio, o colega mandou um vídeo mostrando uma mulher recebendo atendimento médico — a gravação viralizou nas mídias bolsonaristas alardeando que a mulher havia morrido, o que é mentira.
Durante a noite, manifestantes relataram ter se alimentado da comida que haviam trazido do acampamento de quentinhas de arroz e frango entregues aos agentes do governo do DF.
"Era pior que a comida de presídio. Nem preso come aquilo", reclamou Vagner Lopes, da janela de um ônibus que saía da PF em direção à rodoviaria. Ele foi liberado na manhã de hoje junto outros presos por ter mais de 65 anos de idade.
Desde ontem à noite, cerca de 600 manifestantes já foram liberados pelo critério da idade, por terem comorbidades graves ou por terem filhos pequenos que dependem deles.
Triagem e questionário
O procedimento realizado pela PF no ginásio improvisado de cadeia provisória envolve três etapas: obrigar os suspeitos a entregar o celular para a perícia (depois, é devolvido), recolher o material genético deles e fazer um interrogatório.
Como são muitas pessoas, a PF preparou um questionário padrão, com perguntas como "quais são as suas redes sociais?"; "você entrou nos prédios do STF, Planalto ou Congresso?"; "você estimulou outras pessoas a virem a Brasília?"; "quem pagou pela sua viagem?". Após a oitiva, eles são enviados em pequenos grupos para o Instituto Médico Legal (IML), depois, aos presídios da Papuda — no caso dos homens — e Colmeia — as mulheres.
A maioria dos detidos é de outros Estados, sobretudo da Região Sudeste e Sul. Na manhã de segunda-feira, quando houve a operação conjunta da Polícia Militar, Força Nacional e Exército para prender os manifestantes acampados, parte dos que tinham para onde ir acabaram deixando o local. Permaneceram no acampamento os que queriam resistir às ordens de prisão e os que não tinham como voltar para suas casas. A Polícia Rodovirária Federal apreendeu mais de 40 ônibus de manifestantes que se dirigiram a Brasília participar dos atos terroristas.
Cercados por um forte contigente de policiais e militares, eles acabaram se rendendo e entrando voluntariamente nos ônibus. Num primeiro momento, a assessoria do Exército informou que eles estavam sendo conduzidos para um ponto de triagem. Depois, o Ministério da Justiça confirmou que se tratava de mais de 1.200 detenções.