TECNOLOGIA

Após inferno astral em 2022, gigantes de tecnologia têm desafio de cortar custos e lançar produtos

Empresas como Twitter, Google, Apple e Meta precisam manter enxugamento da gestão e aumentar o faturamento para dar volta por cima

Twitter e Elon Musk - Samuel Corum / AFP

Demissões em massa, queda no valor das ações nas bolsas, problemas na cadeia global de fornecedores e maior fiscalização dos órgãos de controle. A vida das gigantes de tecnologia não foi nada fácil em 2022 e promete mais desafios ainda ao longo de 2023.

Para deixar para trás o inferno astral, big techs como Apple, Amazon, Twitter, Meta e Alphabet terão que manter os cortes de custos e, ao mesmo tempo, lançar novos produtos para aumentar as receitas, além de se preparar para uma possível onda de fusões e aquisições, apontam as previsões de analistas para o setor.

As expectativas dos investidores se concentram agora principalmente na escolha de um novo CEO para o Twitter, após a chegada desastrosa do bilionário Elon Musk ao comando da rede social, no possível lançamento de um óculos de realidade aumentada pela Apple como esperança para pavimentar uma nova via de crescimento no Vale do Silício e no processo de compra da Activision Blizzard pela Microsoft, já na mira de governos dos EUA e da Europa.

Segundo Dan Ives, diretor e analista sênior da Wedbush Securities, as empresas de tecnologia refletem uma enorme quantidade de más notícias, como a redução do volume de compras online com o fim das restrições impostas pela pandemia da Covid-19 e o aumento dos juros.
 

Esse cenário tem representado um desafio, por exemplo, para a Amazon, gigante do comércio eletrônico que anunciou recentemente o corte de 18 mil empregos em suas operações no mundo. Na Meta, Mark Zuckerberg anunciou o corte de 11 mil postos no fim do ano passado.

Nasdaq despenca 34%
O principal índice da Nasdaq, Bolsa reúne as companhias do setor de tecnologia nos EUA, acumula queda superior a 34% no ano (até o dia 27 de dezembro). Um levantamento da consultoria TradeMap para o portal g1 estimou que, juntas, Apple, Microsoft, Amazon, Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) e Alphabet (dona do Google) perderam juntas US$ 3,9 trilhões (cerca de R$ 20,2 trilhões) em valor de mercado no período de um ano.

Esse movimento veio acompanhado de um ajuste nas operações, que começaram pelas demissões. Segundo dados da startup Layoffs.fyi foram, até o fim de dezembro do ano passado, quase 153 mil cortes entre 1.007 empresas do setor de tecnologia mundo afora. Para Ives, haverá mais demissões entre as big techs em 2023.

— Após uma onda de gastos e contratações nos últimos anos, as big techs provavelmente precisarão cortar outros 8% a 10% de sua força de trabalho para gerenciar essa desaceleração durante 2023 e se ajustar ao ritmo mais baixo de crescimento — destaca o analista. — Como as empresas estarão mais baratas, acreditamos que uma onda de fusões e aquisições pode acontecer em 2023.

Ives acredita, por outro lado, que, apesar da expectativa de juros altos nos Estados Unidos -- hoje entre 4,25% e 4,50%, maior patamar em 15 anos -- para combater a inflação, as ações das big techs, de companhias de software e semicondutores têm espaço para expandir em 2023. A alta dos juros reduz o consumo e os recursos disponíveis para investimentos nessas empresas.

A previsão da Wedbush Securities é de uma alta de 20% do setor ao longo do ano. Porém, para Jesper Rhode, sócio da consultoria Tr4nsform.com, a recuperação deverá ficar concentrada mais no fim de 2023.

— Há uma saturação. O consumidor está sem dinheiro. Quem tinha vários streamings, já está reduzindo essa quantidade. E isso é uma tendência para 2023. O segmento não vai continuar tão fragmentado como é hoje. E as operadoras de telecomunicações têm chance de virar agregadores desses streamings, criando opções mais econômicas. Há uma previsão de que o setor de games também tenha queda de receita em 2023 -- aponta Rhode.

'Super apps'
É por isso, destaca ele, que as empresas vão acelerar os planos para desenvolverem “super apps”, com o desenvolvimento de novos serviços em suas plataformas. Ele cita o próprio Twitter, que já desenvolve, segundo rumores nos bastidores do setor, a possibilidade do uso de criptomoedas. Mas, para isso, dizem os especialistas, a rede social precisar entrar nos trilhos.

A expectativa do mercado é que o bilionário Elon Musk, novo dono do Twitter, anuncie um tão esperado CEO para comandar a rede social após meses de crise dentro da empresa que resultou na demissão de mais de 4 mil funcionários, segundo dados da empresa Platformer. Recentemente, ele fez uma enquete com os usuários da plataforma, e a maioria votou para que ele dê sua cadeira para um outro executivo.

Rhode avalia que o uso de ferramentas financeiras dentro dessas plataformas vai aumentar através dos inúmeros modelos de negócios no blockchain, a tecnologia por trás dos criptoativos:

-- É o que estamos vendo também com o Facebook para o WhatsApp e o próprio Google (o Google Pay obteve autorização para atuar como instituição financeira pelo Banco Central do Brasil no início de dezembro). E isso vai acelerar a discussão sobre quem vai regulamentar os serviços financeiros.

Outra empresa na mira dos analistas é a Apple. As expectativas do mercado vão desde o lançamento do primeiro óculos de realidade aumentada da empresa a um iPad com tela dobrável — ambas nunca foram nem confirmadas ou desmentidas pela companhia.

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-- A empresa sempre consegue driblar situações desfavoráveis do ponto de vista macroeconômico e criar novas demandas entre os consumidores. Uma das expectativas é o lançamento de um novo óculos de realidade aumentada que pode tornar real um novo caminho de receita para todo o setor — exemplifica o analista de tecnologia Leandro Gomes.

O dilema chinês da Apple
Outro movimentado aguardado pelo mercado é como a Apple, que chegou a valer US$ 3 trilhões na Bolsa dos EUA neste ano, vai reduzir sua dependência fabril da China. No fim de 2022, a política de Covid Zero de Pequim forçou o fechamento de fábricas e protestos da população local, gerando problemas de abastecimento de iPhones em todo o mundo durante as compras de Natal.

O mercado, agora, aguarda a empresa ampliar a produção dos seus smartphones para países como Índia e Vietnã.

No início de dezembro, Tim Cook, CEO da Apple, disse em seu Twitter que seus chips passarão a ter o selo “Made in America”, com a inauguração de uma fábrica da taiwanesa TSMC no Arizona, nos Estados Unidos para marcar uma “nova era de fabricação avançada nos EUA”. A previsão é que a unidade, com investimentos de US$ 40 bilhões, fique pronta em 2026.

Microsoft na mira da regulação
Quem está na mira do mercado (e dos órgãos de controle) é a Microsoft. A Federal Trade Commission (FTC), órgão antitruste dos Estados Unidos, está com um processo aberto para bloquear a compra da fabricante de videogames Activision Blizzard pela empresa fundada por Bill Gates, estimada em U$ 70 bilhões.

O negócio é alvo ainda da Comissão Europeia e da Autoridade de Mercados e Concorrência do Reino Unido. A junção com a Activision, dona das franquias Call of Duty, World of Warcraft e Guitar Hero, é considerada a maior aquisição da Microsoft (dona do Xbox) e colocaria a americana atrás apenas da chinesa Tencent, dona da League of Legends, e da japonesa Sony (dona do Playstation).

Para agentes do mercado financeiro como Ives, é importante que para as big techs que a Microsoft vença a batalha. Porém, Rhode lembra que os órgãos reguladores vêm tentando reduzir o poder das gigantes de tecnologia.

Ele cita ainda a recente disputa envolvendo a Apple, que vai permitir a possibilidade de baixar aplicativos fora da App Store, uma exigência imposta pela União Europeia a partir de 2024 por conta das taxas obrigatórias que acabaram gerando queixas de outras empresas.

Também por exigência dos órgãos reguladores da Europa a Apple vai alterar a forma de carregar seus iPhones, que passará do atual modelo chamado Lightning para USB-C, usado hoje em iPads e pela maior parte de seus rivais.

— Essas empresas estão cada vez mais poderosas. E os governos querem agora quebrar essas paredes e permitir maior concorrência e poder de escolha para os consumidores. E tudo isso gerou casos como o de Elon Musk, que, para escapar disso, fechou o capital do Twitter. Mas ainda sim uma empresa privada (sem ações na Bolsa) tem que ser regulada — afirma Rhode.