Bolsonaro pode ter cometido crimes ao publicar novos ataques, dizem especialistas
Criminalistas, no entanto, divergem sobre eventuais consequências jurídicas para o ex-presidente
O ex-presidente Jair Bolsonaro pode enfrentar problemas na Justiça por ter compartilhado um vídeo questionando a lisura das eleições, de acordo com advogados criminalistas e professores de Direito ouvidos pelo Globo. As hipóteses vão desde a incitação a outras infrações até crime contra a honra. Essa avaliação, no entanto, não é unânime. Alguns dos especialistas consultados consideram que não há um crime específico na postagem, apesar de contribuir para um cenário de instabilidade política.
Bolsonaro compartilhou, na noite desta terça-feira (10), um vídeo em que um procurador questiona, sem provas, o funcionamento das urnas eletrônicas. A gravação é acompanhada por um texto dizendo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "não foi eleito pelo povo, ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE". O ex-presidente apagou a publicação horas depois.
Uma das possibilidades é que essa publicação seja considerada como um incentivo a novos ataques às instituições, por ocorrer dois dias após apoiadores do ex-presidente realizarem uma manifestação golpistas em Brasília, com depredação da sede dos Três Poderes.
Por isso, Conrado Gontijo, professor do IDP-SP, considera que a atitude de Bolsonaro merece ser investigada, porque pode configurar a incitação a um crime.
— Na minha avaliação, a publicação vai na linha de promover um certo incentivo às consultas que vem sendo praticadas por parte dos bolsonaristas radicais. Me parece que há, no mínimo, em relação ao ex-presidente uma postura de incitação à prática do crime, o que já é previsto pelo Código Penal — afirma o advogado criminalista. — Na minha visão, essa postagem dele merece no mínimo uma investigação. A instauração de um procedimento próprio pada investigar em que medida ele não é um fomentador dessas atitudes violentas.
Para Gustavo Binenbojm, professor da Uerj, a publicação do ex-presidente pode ser considerada uma prova indiciária, ou seja, que compõe parte de uma investigação junto com outros elementos.
— Isso pode ser material de prova para uma eventual composição de um quadro probatório de uma participação, que por ora, só para dizer que é eventual, do ex-presidente nesses episódios de tentativa de golpe de Estado e ataques ao Estado Democrático de Direito — avalia. — Dizer menos é não dar a importância que ele tem, dizer mais é ser irresponsável porque as investigações estão em curso. É uma peça em um quebra-cabeça que pode fechar mais adiante ou não.
André Callegari, professor do IDP de Brasília, considera que pode haver calúnia contra os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que Bolsonaro insinuou uma possível fraude cometida por eles. Nesse caso, de acordo com Callegari, os magistrados poderiam apresentar um pedido de explicação em juízo, mecanismo utilizado por quem se sentiu alvo de crime contra a honra.
— O que os ministros podem fazer, porque existe previsão legal, é um pedido de explicação em juízo. Eles notificam o Bolsonaro e perguntam se ele confirma a imputação de que algum ministro praticou fraude e, assim sendo, que ele nomeie qual ministro praticou.
Outros especialistas, contudo, avaliam que a publicação não deve ter implicações jurídicas. Thiago Bottino, professor da FGV-Rio, afirma que as declarações de Bolsonaro estão no limite do que é permitido pela liberdade de expressão:
— Ele se move muito na fronteira daquilo que, nas condições normais, a gente não diria que é crime por valorizar muito mais a liberdade de expressão. Mas a gente não está em condições normais. O que torna esses comentários próximos, mas não necessariamente enquadrados, como algum tipo de comportamento criminosos.
Helena Lobo da Costa, professora da USP, também considera que a publicação, de forma isolada, não caracteriza crime:
— Tenho dificuldade de conseguir caracterizar isso como um crime isoladamente. (Mas) é lógico que nesse contexto ele contribui para esse cenário de instabilidade democrática.